Lucy
A chuva forte atrapalhava a minha visão.
Os fios de cabelo colam-se ao meu rosto, dando uma sensação incômoda na pele. Meu peito queima com a falta de ar e o batimento é descompassado. Sinto meu corpo mover-se rapidamente por entre a grama alta, mas não me lembro de mandar meu corpo correr. Meu rosto vira-se para trás, como se procurasse alguém.
Estou fugindo de alguém.
Tenho gosto de sangue na minha boca e minha cabeça está prestes a explodir. Por incrível que pareça, não ouço o som de nada, nem meu ou da chuva. Continuo a correr naquele espaço aberto, sem encontrar alguma casa para pedir ajuda ou uma estrada para guiar-me. É como se corresse em círculos ou em um mar infinito. Estou perdida física e mentalmente. O silêncio está acabando com meu espírito e minha ignorância, também.
Por que estou fugindo? Por que estou aqui? Por que não consigo parar?
Viro meu rosto mais uma vez para trás, mas não encontro nada além de escuridão. Minha visão capta o clarão de um relâmpago, embora não haja um trovão em seguida. Quando volto a olhar para frente, meu corpo sofre impacto contra algo rijo e caio para trás. Vejo os riscos luminosos que os relâmpagos formam no céu enquanto minha cabeça gira pela tontura. Ao meu redor, vejo apenas a grama alta.
Por alguns segundos, não reajo e nem penso sobre o que está acontecendo, até que sinto uma necessidade absurda de correr novamente. Meus braços ajudam-me a ir para trás, arrastando-me. A falta de ar se agrava e sinto que estou entrando em um ataque de pânico. O que está acontecendo? Onde estou?
Ao mesmo tempo em que me lembro de ter batido em algo, a silhueta aparece em meu campo de visão, de pé, prepotente e inabalável. O céu, com seu tormento incessável, dá aquele corpo o ar de superioridade e, a mim, o medo sem sentido. Sinto que começo a chorar, mas não ouço meus soluções ou gritos de desespero que minha garganta e cordas vocais tentam emitir.
Até que, em dado momento, saem de minha boca as palavras que tentei pronunciar tantas vezes. Por sofrer grande desespero em pronunciá-las, saem como uma súplica, em meio as minhas lágrimas. O som da minha voz arranha meus ouvidos e faz meu peito ganhar um buraco gigantesco com a resposta que veio a seguir dela.
– FIQUE LONGE DE MIM!
– Vou ficar.
Meu corpo ergue-se subitamente ao sinal do despertador. Acordo trêmula, com os olhos marejados e músculos doloridos. Demoro algum tempo para conciliar o que aconteceu. Passo a mão pelos meus cabelos e seco o rosto com a camisa, lembrando-me da voz dura de Natsu em meu sonho. Com isso, também vêm as memórias da madrugada, que me deixam ainda mais depressiva. Minha cabeça está a um ponto de rachar-se.
Levanto-me da cama dura e visto a calça jeans pendurada na cadeira, ainda em estado automático. Não faço questão de trocar de camisa, ficando com a mesma que dormira. Olho-me no espelho por alguns segundos, dando jeito nos fios loucos com os dedos. Solto um bocejo e percebo as bolsas escuras sob meus olhos. O pouco que durmo ainda me deixa pior do que antes, pelo jeito.
Afasto o cobertor que serve de porta do meu quarto aqui no subsolo, saindo silenciosamente. Eram 6:15 da manhã e, embora já seja o horário de pico dos caçadores, os corredores estavam vazios. Caminho lentamente, querendo atrasar minha chegada até o QG improvisado na superfície. Silver fez o favor de mantê-los silenciosos enquanto voltávamos para a Igreja, deixando-me sozinha com meus pensamentos. Sei que devo várias explicações, mas as únicas coisas que consigo formular são desculpas idiotas.
Além disso, Silver aconselhou-me a dizer o mínimo necessário, mas que não houvesse mentiras. Ah, droga, quero um café forte.
Quando chego ao QG, sou recepcionada por apenas cinco pessoas: Erza, Jellal, Gajeel, Cana e Wendy, além do próprio demônio. Ele estava distante do grupo, encostado a uma parede com os braços cruzados. Quando percebem que estou ali, a conversa para subitamente e os seis pares de olhos ficam sobre mim. Pelo que vejo, não sou a única que ficou em claro, praticamente, ou que teve algum pesadelo.
Fecho a porta atrás de mim e encaro o chão por alguns segundos, ignorando o cabelo que esconde meu rosto. Sinto-me envergonhada e frágil, e estou odiando isso. Mordo meu lábio com força e ergo o queixo, respiro profundamente e amarro meu cabelo, decidida a não me esconder. Olhando-os de volta, percebo que Wendy é a única que não me olha com desconfiança.
– Bom dia.
– Não venha com bom dia. – Diz Cana – Minha bebida sumiu.
Puxo uma cadeira, mas não me sento. Apoio-me nas costas dela e repenso nas coisas que poderia falar. Não consigo começar a conversa, porque, na verdade, não sei por onde começar. Balanço a cabeça lentamente ao fechar os olhos. Quando fico assim, flashs do pesadelo misturam-se aos acontecimentos da madrugada, com as imagens de Natsu.
– Você não vai dizer nada?
A voz de Erza é firme. Olhando-a, agora, vejo seu desconforto, como se sentisse dor ou dormência nos braços. Jellal coloca a mão sobre seu ombro e ela engole em seco, prendendo seu olhar no meu. Abro a boca para falar, mas não sai nada. Por um momento, tenho medo de estar presa naquele mundo silencioso novamente.
– Lucy, comece pela parte simples – Diz Silver.
– Se houvesse uma parte assim – Falo de maneira nervosa.
– Que tal tentar nos explicar o que aconteceu ontem? – A voz de Jellal é fria. Dá para ver que ainda tem raiva por ter vivenciado aquele tipo de violência. Embora acredite que ele já está acostumado com ela, a gota d’água foi ser com Erza.
– Minha informação ... estava errada. – Digo com pausas. Ouço os suspiros e risos sarcásticos do grupo – Fui inocente demais. Lamento pelo rumo que isso tomou.
– E como conseguiu essa informação? – Cana sóbria era séria demais e parecia ter uma dor de cabeça pior do que ressaca. Se é que ela tem isso. – Eu ainda não entendi.
– Tenho meus contatos. – Falo olhando-a. Talvez tenha sido minha voz insegura, ou então meus olhos, que a fez erguer a sobrancelha, desafiando-me a continuar mentindo. – A questão não é essa. A questão, é que nós não fomos capazes de lidar com um único demônio. Estamos fracos e...
– Ah, cale a boca. – Ouço Erza cortar meu discurso. Silencio-me rapidamente e parece que o ar não existe mais ao meu redor. – Não coloque a culpa sobre nós, líder. Não diga que somos incapazes ou que não temos força o suficiente. A culpa é sua por ter sido esse desastre.
A frase “não coloque a culpa sobre nós” faz meu peito doer. Novamente, minha mente retorna aos acontecimentos anteriores, onde estive em uma situação parecida com aquele demônio. De fato, estou fazendo novamente a coisa errada: tirando a culpa que pesa sobre meus ombros e a distribuindo por aí para aliviar minha carga. Exatamente como venho fazendo nos últimos dias.
– Ok. – Umedeço os lábios – A culpa é minha por não ter verificado a veracidade da informação. Peço descu..
– Não são desculpas que nos fazem viver, ou que aliviam a dor de perder um companheiro. Desculpas não limpam a sujeira que fazemos, nem nos fazem voltar no tempo para mudar o futuro. Desculpas são apenas isso: desculpas. – Gajeel diz, dando de ombros. Ele senta sobre a mesa atrás dele e apoia os cotovelos nos joelhos – A gente faz muita merda, Lucy. Não tem como reparar isso depois, então, devemos apenas saber lidar com as consequências, além de aceitá-las. Porque não começa por aí?
Os olhos de todos estão focados no moreno. As palavras dele fazem total sentido e chegam a mim como facadas. Não falou de maneira grossa, nem tentou me fazer sentir mal. Na verdade, sinto que ele tentou me aconselhar. É o único dali que sabe do meu envolvimento com Natsu, além de Silver. Suas palavras parecem, também, servir a ele mesmo. Se pensar nas coisas que o próprio moreno faz escondido de toda a sociedade, faz sentido que ele entenda do assunto sobre desculpas e aceitação. Devo ouvi-lo e fazer o que diz, para então, começar a caminhar pelos ladrilhos certos.
– Você tem razão. – Concordo com a cabeça. – Acho que não posso tentar explicar do ponto de vista de um caçador. – Rio de maneira nervosa – Vou contar de acordo como um humano, normal, contaria.
Sento-me na cadeira enquanto respiro profundamente. O peso daqueles olhares torna difícil dizer a verdade. O medo de ser julgada, o que de fato acontecerá, faz com que meu cérebro produza mentiras as quais eu não conseguiria explicar mais aprofundadamente, caso delatem-me aos superiores. O problema é que contar a verdade também traz o risco de ser “dedada”. Caralho, porque Silver quer que eu realmente cave minha cova?
– Consegui a informação com um demônio.
A surpresa estampada no rosto de cada um, para depois se tornarem em risadas nervosas e sarcásticas, incomoda-me. Mantenho a seriedade, tentando fazer com que entendam que aquilo que disse, não fora uma piada e sim, a mais pura verdade. Quando ficam silenciosos, Silver suspira.
– Na lata assim?
– Você disse que eu deveria falar a verdade – Resmungo de volta.
– Lucy, você é péssima em fazer confissões. – O demônio tem aquele riso debochado no rosto.
– Você .... O QUÊ? – Erza parece uma dinamite prestes a explodir – Como pode confiar num demônio para uma informação dessa magnitude? A sua intenção era realmente levar os caçadores para a forca? Porque, pelo que me consta, nós somos inimigos jurados. Tirando esse traste que vive conosco, o qual eu não confio nem um pouco, não deveríamos contatar demônios.
– Eu achava que você fosse esperta o suficiente para saber em quem confiar. Ainda mais quando se trata de demônios e caçadores – Jellal diz de maneira grosseira.
– Pisou na bola, garota. – Cana balança a cabeça.
– Isso foi ridiculamente estúpido – Wendy cruza os braços.
Gajeel encara-me seriamente, como se tentasse desvendar todos os meus mistérios. Sua cabeleira negra está presa em um rabo de cavalo baixo, deixando seu rosto mais a mostra. O cansaço que ele demonstra indica a insônia e eu entendo o porquê. Não preciso de suas palavras para descobrir que Levy é a única coisa que se passa pela sua mente. A segurança dela, seu bem estar, tudo o que ele jurou proporcionar pode ir por água a baixo em um instante, apenas se tiver o azar irritar o rosado. Ou, pior, de eu irritá-lo.
– Lucy? – Sou puxada de meus pensamentos com a voz de Erza pronunciando meu nome – Poderia nos explicar o porquê de achar que ele era confiável?
– Eu tinha uma relação com ele.
As palavras saem sem que eu as pense. Parece que tomei um soro da verdade, ou talvez seja só a pressão que a raiva de Erza está colocando sobre mim. De qualquer forma, o silêncio toma conta da sala novamente e o clima entre os integrantes fica mais tenso e denso.
– Relação de negócios? – Questiona o azulado.
– Não... – Silver desencosta da parte e descruza os braços, como se me desse um aviso. Ele não tinha dito que era para falar apenas verdades? – Não chamaria de negócios.
– Qual a parte do mínimo possível você não entendeu? – Resmunga o demônio.
– Vocês estão com algum tipo de plano em andamento? – Cana aponta para nós dois – Porque, pelo que parece, você está sendo o advogado do diabo aqui. Ele disse a você o que falar, Lucy? – Seus olhos castanhos perfuram-me – Tá confiando no demônio de novo?
– Parem de tratá-lo assim – Massageio minhas têmporas ao falar – Silver é um ser “da escuridão”, mas ele não é mal. Não do jeito que todos tentam fazer parecer.
– Não sei se você entende, Lucy. – Jellal fala com a sua voz grave – Mas essas palavras não são ditas por um caçador de verdade.
Sei que ele tem razão. Estou defendendo um demônio depois de ter dito que confiei em outro a vida de meus companheiros. A dor de cabeça está matando-me pouco a pouco e quero livrar-me desses segredos o mais rápido possível. Sem perceber, acabei contando mentiras e inventando histórias para todos ao meu redor, ficando sozinha com a verdade. Até mesmo Silver, quem era mais ciente, não sabe de todas as coisas sobre mim ou sobre o que faço. Levy, meu esquadrão, Natsu, meu pai, todos eles são vítimas de minhas mentiras desenfreadas e parece que, se isso não tivesse tomado o rumo que tomou, eu também seria uma. Acabaria acreditando no meu próprio conto de fadas.
– Ok, já chega de esconder essas coisas. – Levanto-me da cadeira – Não tenho mais nada a perder, na verdade. Minha vida profissional no ramo que eu gosto já foi por água a baixo, minha relação com meu pai é uma merda e minha melhor amiga nem sabe direito quem eu sou. Droga, nem eu sei. – Solto um suspiro – Minha vida amorosa é um caos ainda maior e eu como líder sou um desastre. Então, se vocês quiserem se vingar das formas mais criativas que tiverem depois disso, sintam-se a vontade. Já tô atolada até o pescoço na merda.
– Acabou com a lamúria? – Gajeel fala erguendo a sobrancelha – Não queremos que você nos torne seus psicólogos.
– O demônio que nos atacou... eu gostaria de dizer que foi só uma estúpida vingança de ex-namorado, mas eu ainda tô tentando entender o porquê de tudo isso ter acontecido desse jeito. Do porque dele ter bolado essa armadilha para nós. Então, não posso lhes dizer o que aconteceu, apenas que fui ingênua em ter acreditado que eu era melhor e mais inteligente que o Natsu.
– Natsu? – Cana faz cara de quem não entendeu. – Não... espera, você disse ex-namorado?
– Você só focou nisso? – Pergunta Gajeel.
– Não, Gajeel, ela fez bem em destacar isso – Erza diz ao olhá-lo – Afinal, deu a entender que ela tinha um relacionamento amoroso com um demônio. Com aquele demônio.
– Faça a sua pior cara feia, Erza – Digo – Estou preparada para recebê-la de olhos bem abertos, porque sim, é isso o que vocês entenderam. Porém, quero deixar claro que isso foi antes de saber que eu era caçadora. Depois disso, as coisas mudaram.
– Mesmo assim, você resolveu confiar nele. – Jellal fala – Você sabia o ranking dele, não é? Não faltou a nenhuma dessas aulas. Sabia o quão perigoso aquele demônio em particular era e mesmo assim, nos levou para o lugar que ele dissera. Não passou pela sua cabeça que ele te usou pra isso?
– Você sabia. – Erza ignora Jellal e vai em direção ao Silver, pegando-o pelo colarinho – Você sabia disso tudo. O principal motivo de você “cheirar” os que chegam é para descobrir quem é um traidor em potencial. Você a deixou passar.
– Parece que fui pego – Ele pisca para ela.
– Filho da mãe... – Erza faz menção de querer socá-lo, mas controla-se – Quantos esse desgraçado deve ter deixado entrar? Sabia que não deveríamos confiar nesse verme.
– Ei, não venha jogar a culpa para cima de mim. Os traidores que tem aqui dentro surgem depois que vocês entram em contato com os demônios como caçadores. Não tenho como ficar controlando todos vocês, ainda mais que eu fico preso na minha cela. Os únicos que mantenho na linha são os líderes e os mais renomados, como você. – Silver faz uma pausa e sorri – Embora a gente saiba que você já não é tão pura assim.
Jellal surge para segurá-la e o demônio ergue as mãos, risonho.
– Não se preocupe, não é a única. Mas sabe como é, não posso sair por aí dizendo algumas verdades sobre as pessoas porque, bem, quem acreditaria em um demônio?
O pessoal sabe que ele está falando a verdade. Erza ainda quer bater no demônio e Jellal parece prestes a deixá-la livre, mas contém-se. Quando a ruiva se acalma, ele a solta e volta a encarar o demônio.
– O que quer dizer com isso, exatamente?
– Sou apenas um vermezinho que conta mentiras, não ligue pra mim. – Diz ao dar de ombros. O azulado tem raiva na face, mas não insiste.
– Eu não pedi para que me desse esse seu sangue sujo para sobreviver! – Rosna Erza – Nenhum de nós!
– Eu mandei – Falo para todos com a voz alta – Não os deixaria morrerem por erro meu. Silver se dispôs a ajudar, então apenas agradeçam. Não precisam dever um favor a ele.
– Você, cale a boca. – Erza aponta para mim seu dedo indicador, mas não me encara. Engulo em seco.
– Eu ainda sou sua líder, Scarlet. Talvez não esteja em posição para mandá-los ou jogar palavras acolhedoras, mas eu ainda sou superior a você na ordem.
– A ordem parece cada vez menos importante pra mim – Dessa vez, ela me encara – Porque percebo que as pessoas que possuem o poder são os que menos sabem usá-lo. Não se ache importante de mais ao pensar que digo isso por sua causa, pois esse ressentimento vem de muitos anos, desde que julgaram pessoas inocentes e as levaram à morte. Então, líder, você realmente não tem meu respeito há muito tempo. Nenhum de vocês.
As palavras pesadas de Erza deixam o ambiente desagradável. Cana e Wendy, também líderes, encaram-na com olhos arregalados. Eu mantenho meu olhar preso no dela, não me permitindo desviar e mostrar fraqueza, mesmo que por dentro esteja transbordando covardia.
– Ei, ei Erza, calma aí. – Diz Cana – Não temos nada a ver com os erros dos outros líderes.
– Já que a Lucy-san está sendo sincera com todos vocês – A azulada ergue seu queixo e encara a furiosa Erza, num ato corajoso – É meu dever, como uma líder e companheira dela, ser também. – Ela dá alguns tapinhas no rosto para animar-se e despeja sobre nós as palavras que ninguém esperava ouvir – Muito antes de saber sobre os caçadores ou demônios, caí no charme desse Natsu. Então, não acho certo julgá-la por ter se envolvido com ele antes de ter tomado conhecimento da existência de todos vocês. Ele tomou meu sangue na faculdade e só agora entendo que foi isso o que aconteceu, pois minhas lembranças são todas nubladas por causa da toxina. Quem me salvou foi Gray – Ela olha para Silver e dá um sorrisinho – e é só isso que eu sei.
– Não posso negar que ele é um pedaço de mau caminho, em todos os sentidos – Cana fala ao dar de ombros. Depois, coloca seu braço ao redor dos da azulada – Quem diria que você tem culpa no cartório também.
– Eu sabia que líderes nessa faixa etária não seriam boas para nós. – Erza fala com desgosto.
– Espera um minuto. – Digo tomando o comando da conversa – Você ficou com o Natsu. – Digo olhando Wendy. Embora tenha saído com certo tom de pergunta, tive que dizer em voz alta para que conseguisse associar.
– Não sabia que vocês estavam juntos.
– Vocês estão realmente se importando com traições que um demônio fez? Por favor. – Cana ri – Ele não é tipo um cara que tá inclinado a fazer esse tipo coisa?
– Não é isso Cana – Digo negando com a cabeça – Só é estranho imaginá-lo fazendo isso ao público...
É claro que aquela pontada de ciúmes estava me incomodando o peito. Eu já sabia que Natsu havia feito isso com ela, porque a própria havia falado para nós. Não tinha tantos detalhes assim e muito menos tinha sido dito com um tom calmo e sem repugnância. Estou morrendo de curiosidade pra saber o que mais os dois fizeram e onde, pois me lembro dos cantos da biblioteca que o rosado dedicara a “esconderijos sexuais/sanguinários”. Só de saber que Gray os parou, fico aliviada (do lado ciumento).
– O que esses Etherious menos se importam é em serem pegos. Eles sabem que nunca haverá o bastante de nós para pará-los no local. – Erza cruza os braços – Esse seu filho tá sempre metido em alguma coisa, não é? – A ruiva encara o demônio – Acho que ele já estava do lado “inimigo” e só você fingia que não via.
Silver a encara por alguns segundos antes de, em um piscar de olhos, pegá-la pelo pescoço. Antes que Jellal pudesse reagir, para tentar afastá-lo da ruiva, Silver a joga longe, fazendo-a bater em alguns dos móveis do recinto. O barulho do baque de seu corpo me faz pular de angustia. Tanto eu quanto os outros humanos estendem suas mãos em busca de suas armas, que não estão ali. De repente, tudo está parado: Silver sobre Erza, com uma estaca de gelo afiada pressionando seu pescoço e nós, caçadores, sem saber o que fazer e se poderíamos fazê-lo – já que havia o perigo dele querer matá-la se nos movêssemos.
– Está vendo como você é uma folha ignorante de papel que posso rasgar quando quiser? – A calma na voz de Silver era impressionante – Eu aguento muita coisa sua, porque acho engraçada essa sua raiva descontrolada contra mim, que nem te fiz nada. Aliás, eu te salvei e não contei para ninguém que você já havia sido salva por um demônio antes. – Silver olha para trás, encarando nossos rostos surpresos – Ah, acho que era um segredo seu. Então, aconselho você a ficar quieta quanto a traições e morais, porque corre em suas veias a vida que eu e meu filho salvamos.
– Ela foi contra tudo isso desde o início – Jellal parece nervoso com a situação – A culpa é minha por ela ter sido salva pelo Gray.
– Agora ele é Gray e não o meu “filho demônio que estava do lado inimigo”. – A risada seca do moreno arrepia-me. – Você só tem raiva de nós dois porque sente que deve a nós a sua vida. Odeia conviver com a ideia de ter visto um resquício de bondade em nós, não é? Por ter poupado sua vida, além de ir contra tudo o que acreditava. – Silver recolhe a estaca de gelo e sai de cima da ruiva, encarando-a de pé – Saiba que quem mandou salvá-la ... – Ele para por um segundo e corrige-se – ... não, mandou salvar todos vocês, foi Natsu. Talvez devam um agradecimento a ele.
Meu corpo relaxa e solto um suspiro longo. O rosto de Erza está vermelho, mas não sei dizer exatamente se é de raiva ou vergonha. Jellal caminha até ela e a ajuda levantar, evitando contato visual com o demônio. Silver estala o pescoço e boceja, voltando para seu canto. O resto de nós começa a relaxar pouco a pouco, sabendo que ele não iria atacar novamente – e nem Erza iria começar a ameaçá-lo.
– Silver – Digo olhando-o – Espero que não fique jogando na cara deles que os salvou, já que fez isso porque eu mandei. Não foi uma completa bondade sua.
– Como se você pudesse me obrigar caso eu negasse – Ergue as sobrancelhas, desafiando-me. Ele tinha razão, afinal de contas.
– De qualquer forma – finjo que ele não disse nada – quero dizer a todos que aqueles que morreram nessa madrugada, segundo Natsu, eram traidores que faziam favores aos demônios. Os demais feridos foi para imobilizá-los e me atingir, de alguma forma – Engulo em seco – Depois, falou para que mandasse Silver salvá-los, senão iriam morrer logo. Se não quiserem acreditar nisso, tudo bem. Também, se quiserem me dedurar para os sacerdotes e me levar à forca, assumo tudo. Não irei julgá-los.
Todos trocam olhares entre si e com o chão. O recinto fica em completo silêncio por tempo demais, deixando-me nervosa. Não consigo acreditar que defendi, de certa forma, o rosado, nem mesmo que Silver faria isso com Erza para enfatizar que havia bondade em alguns deles. O rumo que as coisas tomaram me deixou tonta e um tanto confusa, mas estou feliz por permanecer inteira depois das confissões.
– Porque você acha que ele não estava indo atrás das filhas dos líderes desde o começo? – Erza diz. Ela parece ter se recuperado do ataque súbito – Você, Wendy... muito acaso.
– Nós não sabíamos o que nossos pais faziam, nem tínhamos consciência do que iríamos nos tornar. Então, não acho que ele tenha descoberto assim. Os líderes não guardam os seus filhos, até mesmo dos sacerdotes, por causa da segurança? Fomos criadas longe de todo esse mundo, Erza. Acho que isso coopera para o fato de que não temos tanto ódio direcionado aos demônios quanto vocês, que nasceram e cresceram aqui, nem mesmo temos uma mente tão fechada em relação a eles. Acho que isso é bom e ruim ao mesmo tempo...
– Concordo com ela – Diz Cana, erguendo sua mão como se fizesse um brinde as minhas palavras.
– E não teríamos como saber pelo cheiro também – Silver diz e consegue a atenção de todos – Eu sabia de Lucy, porque morava perto dela. Eu e Jude éramos amigos 20 anos atrás, podem ficar surpresos com isso. – Ele ri – Mas, bem, retomando ao assunto, diferente de vocês que cresceram aqui, elas não tiveram seu sangue batizado.
– Achei que isso acontecia com todo filho de caçador logo que nascem – Fala Jellal com as sobrancelhas unidas – Ou, pelo menos, quando entravam para a ordem.
– Se elas tivessem sido “batizadas” para afastar os demônios delas, só iriam chamar mais atenção. Algo que vocês não sabem é que os líderes têm um mistura diferente dos caçadores normais, algo mais forte para evitar que os demônios tomem seu sangue. Se eu bebesse o de vocês, por exemplo, apenas ficaria com um gosto ruim na boca e iria da minha vontade parar ou não. Porém, com os líderes – Silver faz sinal de vomito – Iria colocar os bofes pra fora. Algo assim chama a atenção, não é?
– Então, não somos batizadas para não cair no conhecimento dos demônios quem serão os próximos líderes? Assim eles não iriam poder nos matar.
– Exato.
– Mas Natsu sabia de mim, ele falou isso – Digo.
– Os demônios já devem ter dado um jeito para descobrir. Era só questão de tempo, afinal. – Silver diz.
– Porque ele mandou nos salvar? – Erza fala em voz baixa.
Não sei o que responder. Os outros olham para mim, mas com a minha cara de tacho, olham para o demônio. Silver demora um tempo até que começa a falar, com sua voz grave sem emoção.
– Porque ele é do bem? Sei lá, às vezes não entendo aquela cabeça oca.
– Ele disse que não podia dar o sangue dele ou de Gray. – Digo baixo, mas aumento o tom à medida que a dúvida aumenta – Porque ele diria algo assim, Silver? Entendo que o sangue de um Etherious é forte demais, mas não se importaram que você fizesse isso, então não é esse o caso.
– Porque, minha querida Lucy, todos eles seriam caçados, pois estaria na cara que Natsu tinha quebrado uma regrinha e salvado todos – Silver coça o queixo – Não achei todas as respostas ainda, mas estou pensando.
– Está dizendo que ele fez o que fez, fodeu todo mundo e ainda pensou em nos manter “a salvo” dos demais demônios depois que fossemos curados? – Jellal fala.
– Sobre foder, não sei se foram todos vocês... – Silver fala com ar de riso. Minhas bochechas queimam. – Mas, sim.
– Desculpe dizer isso, Erza, mas... – Jellal encara-me – Não vou contar a ninguém o que aconteceu, nem irei julgá-la por essa tal traição. Já sofri com coisas que não tinham nada a ver comigo e vi um lado totalmente diferente dos caçadores. No momento, estou curioso com tudo o que está acontecendo e vou ficar do seu lado para conseguir essas respostas, mas saiba que no primeiro sinal de perigo que Erza correr de novo... – Seus olhos tornam-se severos – ... não medirei esforços para traí-la, e se necessário, matá-la.
Aceno com a cabeça em afirmativa e o vejo sair com Erza do local. Pelo jeito, a reunião estava encerrada. Cana e Wendy passam por mim tocando em meu ombro, como se me dessem uma forcinha para aguentar a barra. Silver parece entediado e sai sem dizer nenhuma das piadas que normalmente faz. Gajeel é o último a mover-se e para ao meu lado.
– Eu sei que teria morrido se o seu grupo, se você, não o tivesse atacado naquele momento. – Gajeel fala baixo – Obrigado.
– Não fiz nada além do meu dever – Digo com um sorriso tímido – Falou com a Levi?
– Vou para lá agora. – Ele respira profundamente – Tudo isso me deu uma vontade extrema de ver sua segurança. – Gajeel para de falar, mas não dá sinal de que disse tudo o que pretendia. Quando volta a falar, sua voz está mais pesada – Ele a ameaçou, Lucy.
– Desculpe, Gajeel.
– Já disse que desculpas não fazem diferença. – Ele se inclina para sussurrar em meu ouvido – Sei que se algo acontecesse com ela, você não iria se perdoar, assim como eu. Então, não se preocupe. Não estou culpando-a.
Ouço o som da porta atrás de mim ao ser fechada. Fico sozinha no QG, repassando o que todos me disseram. No fim, eles permaneceram ao meu lado, mesmo com toda essa merda sendo jogada no ventilador. Não sei se fico feliz ou triste, pois de certa forma, esperava ser punida. Ok, eu queria ser punida por todas as minhas burradas, pra ver se aprendia de vez.
Levy McGarden, sua casa, 9AM
Aqueço minhas mãos na xícara de chá antes de dar uma golada. O dia chuvoso é perfeito para ficar jogada no sofá, tapada com a manta mais fofa que tenho, lendo um bom livro – embora seja para a faculdade – com uma bebida quente. Solto risadinhas contentes com meu aconchego. Antes que eu pudesse dar mais um gole no meu chá, ouço o barulho da porta dos fundos.
Por um segundo, fico apreensiva. Largo a xícara na mesa de centro e me desenrolo da coberta com dificuldade. Quando caio de quatro no chão, ouço o trinque ser aberto. Resmungo um droga e engatinho até o cesto de guarda-chuvas perto da porta principal, onde pego um deles. Levanto-me e vou caminhando contra a parede, com a minha arma em mãos. Prendo a respiração, pronta para qualquer ladrão que fosse aparecer esse horário da manhã na minha casa. Quando o corpo robusto de um homem travessa a passagem da cozinha para sala, golpeio-o várias vezes com o guarda-chuva. Ele resmunga e encolhe-se, recebendo as guarda-chuvaradas nas costas. Quando ele se vira para mim, vejo o rosto surpreso de Gajeel.
– Mas que diabos...
– Gajeel! – Falo soltando o guarda-chuva rapidamente.
– Você o quebrou em mim! – Ele fala rindo enquanto se abaixa para pegá-lo. – Como você é perigosa.
– Desculpe, eu te machuquei? – Falo com as mãos na boca.
– Sim. – Ele larga o objeto no cesto – Meu ego.
– Você não precisa entrar escondido desse jeito na minha casa. Me assustou. – Cruzo os braços.
– Desculpe baixinha. – Ele acaricia minha bochecha.
– Eu sei que você vai falar que “é para ver se não há alguém desnecessário em casa”.
– Sou tão previsível assim? – Ele sorri inocentemente.
– Não finja ser um anjinho. – Faço beiço.
– Quando fiz isso? – Com facilidade, ele me ergue do chão. Sou jogada por sobre seu ombro e recebo um tapinha na bunda. – Mal criada.
– Ei! – Bato em suas costas.
Gajeel nos leva até o sofá e me larga lá sem carinho nenhum. Pega minha manta, senta-se no sofá e nos tapa com ela. Aninho-me em seu peito, embora permaneça com a cara fechada. Suas mãos grandes acariciam minhas costas, subindo e descendo pela minha espinha dorsal. Somente agora percebo que seu cabelo está amarrado, mostrando mais seu rosto. Seus olhos carmesins pegam-me encarando-o.
– O que foi?
– Você está bem?
Minha pergunta é automática e nem percebo que ele está estranho antes que a faça. Ele umedece seus lábios e não responde, sinalizando que está escondendo alguma coisa de mim. Já estou acostumada com suas evasivas, mas irrita-me. Afasto-me um pouco para visualizar seu rosto melhor. Sua mão cobre a metade das minhas costas e a sinto tremer levemente. Coloco a mão sobre seu rosto e o faço olhar para mim.
– Estou feliz em ver você – Ele diz baixo.
Franzo a testa com sua resposta e, quando percebo, já estou beijando-o. Inicialmente, é calmo, mas parece que sua urgência aumenta gradativamente. Ele morde meu lábio com força demais e resmungo, mas ele não abandona minha boca. Sua mão está em meu pescoço, puxando-me para ele. Sento em seu colo e, diferente do que acontece normalmente, ele não ri divertidamente para mim, nem insinua nada. Quando paramos de nos beijar, estamos ofegantes. Gajeel encosta sua testa na minha.
– Você é a pessoa mais importante pra mim, então não faça besteiras por aí, ouviu? – Sua voz rouca é baixa – Apenas comigo.
– Gaje... – Selo nossos lábios e sorrio para o moreno. Seus olhos carmesins encaram-me seriamente – Seria mais fácil se você me contasse tudo, sabia?
– Um dia, quem sabe – Ele sorri – Mas antes, temos algumas pendências?
– Que...? Ahhh
Ele me deita no sofá com um sorriso sacana no rosto. Sinto suas mãos aventurar-se pelo meu corpo antes de começar com cócegas. Começo a rir descontroladamente e peço para parar inúmeras vezes, mas o moreno não se importa com minha voz chorosa. Mesmo sabendo que está querendo quebrar o clima tenso que tinha se formado, não consigo esquecer que todas as vezes que ele chega desse jeito na minha casa, uma sensação ruim toma conta de mim.
Como se, de alguma forma, um dia ele não fosse retornar mais.
Prédio de Natsu – Quarto/Studio de Gray
Juvia movia-se lentamente sobre o moreno, curvando seu corpo para trás em puro êxtase. Os lábios do demônio beijavam o caminho entre os seios fartos da azulada, encontrando a clavícula saliente. Espalha beijos pela pele clara, ouvindo os suspiros excitantes que ela emite. Os caninos afiados de Gray rasgam-lhe a pele com avidez, buscando pelo líquido escarlate que escorre pelo corte. Controlando-se, percorre com a língua a trajetória do sangue, chegando à perfuração.
A garota sente seu corpo tremer pela ânsia de ter aquela toxina dominar seu corpo. O demônio não permitia que ela sentisse dor, não agora que ele estava controlando seu lado negro. Com isso, a cabeça dela fica enevoada, mas sua pele continuava sensível ao toque do moreno. Juvia geme com suas penetrações profundas e lentas, enquanto ele ofega com o sabor desigual que a mulher tinha. A ferida fica com a coloração vermelha assim que os lábios demoníacos a abandona. Gray a deita sobre a cama e puxa seu corpo contra o quadril, penetrando-a com força.
As mãos do demônio apertam as coxas da azulada, que geme chegando ao seu ápice. Gray não tarda a entregar-se ao prazer, gozando logo após os gemidos altos que Juvia solta com o orgasmo. Ofegantes, ambos encaram-se, como fazem sempre depois de suas transas. A azulada estende a mão para tocar a face do demônio, que se afasta relutante. Seu coração ainda pulsa rapidamente ao ouvir a pulsação e sangue de Juvia, de forma a salivar com a expectativa de mais algumas gotas. Os olhos azuis estão turvos pela toxina, mas ela ainda sentia certa mágoa com seu distanciamento.
Gray sai da cama e cata sua cueca jogada no chão, vestindo-a rapidamente. Suas mãos tremiam e em sua visão o vermelho tomava conta. Queria respirar profundamente para acalmar-se, mas o cheiro dos hormônios e do sangue que ainda saiam de algumas das feridas de Juvia deixavam-no ainda mais cedendo. Morde a própria língua para sentir o gosto amargo do seu sangue híbrido, tentando ignorar a presença da mulher atrás de suas costas. A cada dia que passava, tornava-se mais difícil parar, como Natsu havia dito.
Antes que a azulada pudesse chamar seu amado, a porta é aberta a força, quebrando a maçaneta. Gray fica estupefato, olhando para o demônio que carregava um pedaço da porta em mãos. Natsu olha ao redor, percebendo a garota nua e o demônio seminu, mas não se importando o bastante para pedir desculpas e retirar-se. O moreno deixa a incredulidade de lado e corre até a azulada, tapando-a com o lençol.
– QUAL O SEU PROBLEMA? – Diz revoltado.
– Junte suas coisas e dê um jeito na sua namorada. Coloque em uma mochila o mínimo possível. – Natsu joga para ele uma mochila de trilha preta, que bate contra o peito do moreno. – Agora.
– Não podia esperar mais um pouco? Você sabia que estaríamos assim. – Resmunga – Aliás, qual é a sua quebrando a minha porta?
– Você não vai se importar com isso daqui a pouco. – Natsu vai abrindo as gavetas, em busca de um isqueiro – Não estou ouvindo o som das suas coisas sendo arrumadas.
– Natsu, o que está acontecendo? – Juvia esfrega os olhos e senta-se na cama, segurando o tecido do lençol contra seus seios.
– Estamos indo embora.
Tanto Gray, quanto Juvia ficam sem ter o que dizer. Observam o rosado testar o isqueiro recém-encontrado, trazendo para cima do balcão alguns galões de gasolina retirados do armário improvisado do moreno. Quando Natsu começa a derramar o líquido de cheiro forte no cômodo, o demônio mais jovem corre em direção ao seu guarda-roupa, colocando as poucas coisas que ainda lhe restavam.
A azulada fica olhando-os trabalhar em conjunto, sem saber o que está acontecendo exatamente. Pergunta-se se isso não passa de um sonho ruim, induzido pela toxina que corre em suas veias. Abre a boca para falar diversas vezes, mas não sabe o que quer dizer. Gray coloca um par de tênis all star dentro da mochila e fecha o primeiro zíper, partindo para alguns objetos úteis para o dia a dia. O som da gasolina sendo espalhada para quando o rosado chega na frente de Juvia, tapando sua visão. Encaram-se por alguns segundos antes que ele peça para ela sair.
– Gray? – Juvia chama ao levantar-se enrolada no lençol. Salva suas roupas dos respingos de gasolina.
– Você ainda tem seu apartamento, não é? – O moreno termina de juntar suas coisas e passa a vestir suas roupas de mais cedo. – Vou levá-la lá.
– Vai conseguir me explicar o que está rolando antes de ... – Ela gesticula para o rosado com o galão – ... isso acontecer?
– Desculpe – Recebe um beijo na testa com aqueles lábios frios – Quando souber eu te digo.
– Você vai tirar umas férias desse porre – A voz de Natsu está atrás de Juvia, assustando-a. A garota vira-se para encará-lo – Tem o contato da sua amiga?
– Amiga? – Juvia franze as sobrancelhas, em dúvida – Lucy?
– Ele tá meio que evitando dizer o nome dela. – Gray dá de ombros e entrega o cachecol da garota, para esconder as marcas.
– Ligue e peça que vá lhe visitar ainda hoje. Não dê explicações pelo telefone, porque podem estar por perto para ouvir e seria um problema.
– E o que eu devo dizer? Que estão indo embora?
Os olhos ônix do rosado possuíam alguma dor escondida. Ele não respondeu de imediato, deixando o local em silêncio. Gray já estava ficando incomodado com aquilo, pois já imaginava que Natsu estava entrando no modo automático de não-sei-do-que-você-está-falando para logo depois ir para o modo cale-a-boca-ou-vou-arrancar-sua-língua. Ele respira fundo e passa a mão pelo cabelo, umedece os lábios com a língua e diz:
– Peça para fazer proteções nas suas portas e janelas. Se ela tiver algum amuleto ou algo do gênero, seria bom que desse a você, principalmente se disfarça cheiro.
– Natsu, você está me assustando. – Juvia engole em seco e olha para Gray – Ela também tem que se proteger?
– Ela sabe cuidar de si mesma – O rosado diz com desprezo.
– Vou ligar pra você assim que as coisas se acalmarem. – Gray aparece com as roupas da azulada em mãos – Mas não pense duas vezes se algo parecer estranho.
– Desde quando vocês tem alguma comunicação mental? – Juvia começa a irritar-se. O efeito da toxina já passara e agora tudo parecia irritável para ela. – Gray!
– Eu tenho que ajudar esse cara, você sabe que ele não se vira sem mim. – Ambos ouvem um “vá se enxergar” do rosado do outro lado do Studio – Lembra-se do que te falei sobre abandonarmos os demônios de vez? – Quando a garota diz sim com a cabeça, o moreno continua – Acho que já entenderam o recado.
– Temos quinze minutos para tocar fogo no prédio e você levá-la para longe daqui.
– Acha que se enganou e não matou todos os traidores que estavam com a Lucy? – O moreno ajuda Juvia a vestir-se rapidamente – Ou então que algum deles tenha dado com a língua nos dentes e a dedurou? Ela pode estar com problemas.
– Eu não me engano, seu idiota. – Natsu olha pela janela – Matamos-os para que não fossem fofocar para os demônios o que fizemos, pois já estaria obvio a nossa posição quando dissemos para salvá-los com o sangue de Silver. O único que sobreviveu foi Gajeel, mas duvido que ele se arrisque assim. Ela não permitiria.
– Tá, mas alguma possibilidade de ter rolado algo dentro dos caçadores que a deixe encrencada? – Gray insiste.
– Mesmo que isso acontecesse, seu pai daria um jeito. Não precisamos nos preocupar com ela. – Natsu encara o moreno seriamente – Deixe de ser coração mole.
– Então....?
– Então que você está perdendo tempo aqui. Ande logo, preciso colocar fogo.
– Vai fazer isso com o isqueiro? – Gray aponta para o objeto nas mãos do rosado.
– Não posso deixar um resquício do meu poder. Há diferenças nas chamas feitas por um demônio e nas feitas por algo assim – Ele acende a chama. – Quando saírem, vou começar. Nos encontramos na quinta avenida, estarei com minha moto.
– Se estamos fugindo, deveria se livrar dela.
– Primeiro, não estamos fugindo. Natsu Dragneel não foge, apenas reavalia as possibilidades de um novo ângulo – Ele diz pomposo – Segundo, nem fodendo me livrarei da moto.
Gray revira os olhos e sai rapidamente com a azulada. Natsu termina de esvaziar os galões pelo prédio, usando apenas da sua alta velocidade para tal. Sabia que precisaria acender o fogo em cada um dos quartos e, por isso, apressou-se em fazê-lo. Assistindo agora, do prédio vizinho, seu antigo lar sendo lambido pelas labaredas de chamas, sentiu uma nostálgica sensação de recomeço e perda. Deixou-se ser atingido pelas fumaças negras que se desprendiam do prédio, para que não houvesse rastro de seu cheiro por ali. Pelo menos isso os daria algum tempo de adiantamento. Ao longe, ouviu o som das sirenes dos bombeiros. “Foram rápidos”, pensou.
Afastou-se do prédio, indo em direção a sua moto, deixada há varias quadras de distância. Deu a partida e se dirigiu para o local de encontro com o Gray, esperando que aquele bunda mole fizesse uma despedida rápida com a humana. No fundo, sentiu a inveja crescente daquele tipo de relação, mas tratou de afastar esse pensamento. Havia uma mínima chance de ter sido vazada esse tipo de informação através dos caçadores, mas não acreditava nela. Aquela garota teria o poder de manter seus subordinados sobcontrole, então as coisas aconteceram sem que Natsu pudesse prever pelo lado demoníaco. Ou seja, desde a sua saída daquele covil, onde atiçou seus instintos, algum demônio manteve conexão com outros, de modo a passar a informação de seus atos para o mandante daquilo. Foi burro ao pensar que não chamaria atenção o suficiente para trazer o interesse de Zeref.
Pelo menos, Natsu conseguiu tirar todos os humanos do prédio sem fazer alarde. Não contou aos antigos donos o que aconteceu, pois se o fizesse, seria obrigado a pedir que mentissem para qualquer um que perguntasse sobre os acontecimentos – com certeza, alguns demônios iriam procurá-los para obter informações. O rosado sentiu a presença de vários deles se aproximando e com isso, teve que sair o mais rápido possível. Se os humanos tentassem mentir para qualquer ser das trevas, seriam traídos pelos seus próprios sentimentos, sendo descobertos na lata. Mantê-los na ignorância era melhor. Agora, com o incêndio sendo começado sem fins demoníacos, eles poderiam cogitar a ideia de um ataque dos caçadores, de modo a ignorarem Natsu por alguns dias.
Era uma jogada simples, mas que tinha uma boa probabilidade de ocorrer.
Os olhos negros observavam a dança das chamas naquela noite. O som de humanos conversando em cada canto das ruas, assim como dos bombeiros trabalhando, pouco importava naquele momento. Os lábios do moreno curvavam-se em um sorriso malicioso, para depois ser tomado por uma grande vontade de rir. Entregando-se a isso, foi observado por diversos humanos e demônios, sem ser compreendido o porquê de rir tanto de algo tão enfadonho. O loiro encarava-o de soslaio, sem querer interromper o momento lunático.
– Diga para que fiquem de olho aos caçadores por perto, quem sabe eles tenham algo a ver com isso. Tentem achar as pessoas que moravam aqui, também. – Diz secando uma lágrima do riso. Tira de seu bolso um maço de cigarros, onde acende um e traga demoradamente – Não sinto nenhum poder dele, nem sei cheiro. Deve estar longe e não sabe do que aconteceu aqui. – O moreno dá de ombros. – Vamos, Laxus, faça o que mandei.
O loiro curva-se sutilmente e faz o que é mandado realizar. O moreno termina com seu cigarro rapidamente e joga a bituca em direção as chamas do prédio. Solta a fumaça com um suspiro e sorri, pensando alto:
– Você ficou desleixado, Natsu. Que decepção. – Zeref passa por baixo das fitas de segurança que os policiais colocaram na volta e ignora os pedidos para se afastar. Abaixa-se para pegar uma foto no chão, apagando o fogo que começava no canto dela. Na imagem, via duas mulheres, uma loira e uma azulada, com um jovem moreno sorridente no centro, no que parecia um apartamento. No fundo, estava o rosado, encarando as costas da loira com um rosto sério, porém, olhos divertidos. – Vamos jogar o seu jogo, dando um tempo para se acomodar em um novo lugar e fingir que nos enganou com esse incêndio. Enquanto isso, estarei ocupado com outras coisas. – Com um sorriso malicioso, guardou a foto no bolso – Parece que encontrei algo interessante jogado na rua.
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