— Eva, a câmera! Olhe para a câmera! Em que mundo você está? — o assessor gritava.
Boa pergunta. Onde eu estava? Provavelmente em um lugar muito distante da terra. Meu nome é Eva Harper, tenho dezoito anos e há seis meses, perdi a pessoa que eu mais amava no mundo: meu pai. Viver as fases do luto não está sendo fácil, principalmente ao conciliar minha vida profissional com meu psicológico ambíguo. Facilmente me desconecto da realidade, como se eu estivesse fugindo dos meus próprios problemas e criando um mecanismo de defesa anti-sentimentos. Há meses não consigo externar meu esforço e amor pelo trabalho e isso está injuriando futuros contratos, obviamente, deixando os agentes que investem em mim enfurecidos. A indústria da moda movimenta milhões anualmente, e se tem uma coisa que descobri nesse meio tempo e principalmente após ter perdido meu genitor é: o mundo não quer saber se você está triste, ou você se levanta, ou fica pra trás. E parece que eu estou ficando pra trás.
Trabalho como modelo agenciada na Califórnia, San Diego, meu estado natal, e tiro fotos para marcas e sites, uma espécie de modelagem comercial e brandshopping. Faz um tempo, talvez desde meus dez anos de idade, que sou acostumada com flashes e muita, muita pressão psicológica.
— Perdão. Podemos começar de novo? — supliquei e enchi meus pulmões de ar para conter a angústia dentro de mim, permanecendo imóvel até que tirassem as milhares de fotos de uma única pose e se contentassem com o que eu podia oferecer. O flash me enlouquecia, as luzes me cegavam e minha garganta doía com o choro cativo, estagnado dentro de mim.
— Vamos dar uma pausa, Eva, vá descansar. — o tom de voz do meu assessor apenas deixava claro que já estavam irritados comigo. Eu não podia culpa-los, eles queriam dinheiro e eu só queria a paz. Não era a primeira sessão onde não me concentro, desligo meu subconsciente e tudo sai perfeitamente ridículo, aliás, era a trigésima.
Soltei todo o ar que havia encarcerado e saí da área de fotos ainda engasgada pelas lágrimas salgadas que ardiam na goela. "Não chora, não chora", minha mente gritava. Apesar de sensibilizada, chorar em público demonstrava fraqueza e eu talvez fosse orgulhosa demais para não querer manifestar minhas dores. Aquilo não era mais pra mim, eu precisava respeitar meu tempo, respeitar meu luto e principalmente o meu emocional.
Caminhei à sala de espera das modelos e peguei minha bolsa, mas antes, deixei um recado em um post-it amarelo na estante do camarim escrito em claras e breves palavras: "eu me demito". Saí sem dar satisfação, aliás, não devia à ninguém. Peguei um táxi de volta para casa completamente agoniada para chorar o mais rápido possível e exprimir o aperto no peito.
Finalmente quando em meu lugar de conforto, lugar este que eu chamava de quarto, tudo acumulado dentro de mim desapareceu como um sopro de alívio. Chorar me fazia bem, desprendia minha alma e levava embora as coisas ruins. Mamãe se preocupava comigo e com meu irmão Caleb, de vinte e cinco anos, mas talvez um pouco mais comigo por me considerar frágil demais para lidar com algumas situações e deixar claro com esse excesso de cuidado que eu não tinha inteligência emocional pra superar coisas que já passaram. Caleb fazia faculdade na Flórida e seguia a vida da forma mais invejada possível por mim, e eu, perdia um pedacinho de mim a cada minuto crente de um dia desaparecer por completo. Mamãe Madeline entrou no cômodo e em silêncio, me confortou como se eu fosse um bebê de seis anos chorando rios de lágrimas por ter deixado o pirulito cair no chão e ter pedido aqueles cinco segundos de limite pra assoprar e colocar de volta na boca. E ali permanecemos por longos 15 minutos.
— Eva, filha... — apertou afetuosamente meu queixo e levantou minha cabeça. — eu acho melhor você tirar um tempo pra si e colocar a cabecinha no lugar. Por que não passa uma temporada em La Push, Washington? Seu primo Sam Uley mora na reserva Quileute, onde seu pai nasceu e viveu antes de nos casarmos. Talvez seja legal você se reconectar com as origens dele e vivenciar por conta própria sua cultura, antepassados, memórias. — prosseguiu carinhosa. — fora que Sam vive perguntando de você, ele e Emily estão doidos pra te conhecer. — finalizou minha mãe, suplicando uma ideia que talvez me fizesse lidar melhor com o luto.
Eu não sabia muito sobre a infância e antepassados do meu pai, apenas o que ele me contava por cima. Talvez seria legal que eu me reconectasse com ele através dessa viagem. Tudo o que me lembrava o papai eram algumas fotografias, então viver esse momento com pessoas que cresceram ao lado dele e podem me contar um pouco dessa cronologia definitivamente curaria algumas feridas abertas.
Já ouvi falar de La Push e da reserva Quileute em algumas historinhas que ele me contava antes da hora de dormir – histórias estas longas e medonhas – onde existiam lobos, vampiros, híbridos e perigos na floresta. Acredite ou não, eram os "contos de fadas de ninar" que eu precisava ouvir e passava a madrugada em claro com medo de algum lobo pular pela minha janela mesmo morando na Califórnia.
A cidade era deprimente, fria, nébula, sem um pingo de cor. Fora o clima que me desagradava. Mas como dizia minha mãe: sair da zona de conforto. É isso, sair da zona de conforto!
— Eu vou. — afirmei convicta da minha decisão. — Consegue me arrumar a passagem o mais rápido que der? — se eu não fosse agora, iria me arrepender e não iria mais.
— Consigo, filha, vá arrumando suas coisas.
Assim que Madeline retirou-se do meu quarto, puxei uma mala grande de couro de debaixo da minha cama e dei umas batidas no tecido para retirar a poeira de alguns longos anos. Coloquei no interior da mala algumas poucas roupas de frio que tinham no meu guarda-roupa e adicionei como lembrete mental pegar algumas no armário de Caleb que talvez me servissem melhor, itens de higiene, sapatos fechados, bolsas, alguns objetos necessários para o dia-a-dia e em uma outra bolsa de mão guardei o que era mais frágil, como perfumes, maquiagens, câmera fotográfica, MacBook, fones de ouvido e meu diário.
Deixei uma mensagem para Caleb pelo celular contando sobre a mudança e como depois de seis meses, sentia meu coração aquecido novamente por uma ansiedade inexplicável de viver. Ele respondeu de imediato achando a ideia uma loucura e pediu que eu ligasse quando em solo indígena.
Aquele era o início de um novo ciclo. O ciclo que mudaria a minha vida para sempre...
Minha virada de página.
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