Partículas.
Pequenas partículas era como o a taça ficou.
Eu poderia comparar a dor como um copo quebrado em varias partículas.
Você sofre uma vez e um risco aparece no copo. Você sofre mais uma vez e o copo trinca. Você continua sofrendo e então esse copo cai no chão de uma forma inevitável. O copo se transforma em pedaços minúsculos, e é impossível você juntar absolutamente todos e fazer o copo voltar a ficar intacto, a mesma coisa acontece com a dor. É impossível você supera-la por completa, você vai aprender a conviver com ela ou talvez esquecê-la, mas a dor nunca vai sumir. Nunca irá acabar, e nunca irá supera-la.
Há um copo estilhaçado no chão, em vários pedaços, pedaçinhos minúsculos espalhados pelo tapete macio. E é nesse momento, vendo o copo totalmente quebrado que eu penso isso. O culpado pelo copo foi Liam. E novamente eu posso comparar a dor e o copo com Liam. A dor dele será como o seu copo quebrado no chão. Ele nunca, nunca irá superar a dor de perder alguém. Eu mesmo ainda não superei.
Ele talvez vá conseguir conviver com a dor ao passar do tempo, vai começar a esquecê-la e a dor lhe trará boas lembranças. Mas a dor sempre estará lá, nunca voltará a ficar intacta. É por esse motivo que eu aceitei a participar de mais um enterro.
O enterro de Delilah.
Há uma semana Delilah era um anjo, com um corpo magnífico que faz você ter desejos e vontades impuras. Há uma semana; ela tinha os mais belos olhos que alguém poderia ter. Há uma semana, ela usava a voz mais perfeita que eu já escutei. Mas isso tudo foi há uma semana, pois agora ela não tem mais o corpo maravilhoso, não podemos mais ver os azuis brilhosos de seus olhos, pois agora eles estão fechados, e nunca mais, nunca mesmo poderemos ouvir a sua voz. Isso não seria problema para mim, mas para Liam...
Eu nunca vi uma pessoa ficar tão dependente da dor. O estado da minha mãe não chegou nem aos pés do estado em que Liam ficou depois da noticia.
Primeiro; ele gritou com o Zayn, já que não acreditou. Mas depois de ver o estado do amigo o rapaz acreditou e pirou. Depois ele caiu em cima dos cacos e chorou por horas, depois ele começou a quebrar tudo que via pela frente. Absolutamente tudo, só não quebrou a minha cara porque eu me afastei.
Liam foi igual a um animal na faculdade depois que “se recompôs” e agarrou a professora querendo saber de tudo. A coitada não fazia ideia do que ele tava falando, tivermos que segurâ-lo enquanto ela desesperadamente tentava ligar para a agencia que contratou Delilah. E ai os cacos que já estavam pequenos foram esmagados, fazendo pequenas partículas.
“Eu sinto muito”
Foi o que a nossa professora disse depois da certeza de que Delilah estava morta.
O corpo de Liam caiu como uma gelatina na cadeira. Ele estava estático, pálido, e o único movimento que vinha dele era as lagrimas que escorriam de seus olhos.
Depois de varias tentativas conseguimos trazê-lo de volta para o apartamento. Ele se ajoelhou no tapete macio com partículas de vidro e chorou muito mais. Era como se a cada minuto ele recebesse novamente a noticia. Zayn deu calmantes para ele poder dormir, pois o rapaz tinha pesadelos. Ajudamos a limpar a catástrofe que era seu apartamento e quando terminamos ficamos olhando um para a cara do outro tentando assimilar tudo.
Não tive noticias de Liam por dois dias, e nenhum de nós apareceu na faculdade. Foi apenas na missa de sétimo dia que o vi. Era estranho botar os pés na igreja novamente.
Eu me sentia melancólico só de ver o padre e aquelas pessoas rezando. Eu já fui uma delas. Eu fiz parte daquilo e me ver novamente ali era estranho. Mas o mais estranho foi o que o Liam fez. Quando o padre anunciou; ”Missa de sétimo dia de Delilah Evans” Liam gritou a pleno pulmões um “Foda-se o seu Deus”, e depois saiu dali seguido por Zayn.
Eu me senti como um pedaço de carne no meio de uma jaula de leões, pois todos, absolutamente todos olharam para nós. Niall foi o próximo a sair de cabeça baixa murmurando varias desculpas enquanto eu e Harry ficamos parados como dois idiotas sendo observados. Agarrei o braço do cacheado e o retirei dali o mais rápido possível. É claro que esbarrei em várias pessoas e elas me olhavam com nojo. Só pelo fato de eu estar acompanhado do rapaz que gritou “Foda-se o seu Deus” por estar frustrado e com raiva pela morte da amiga.
Nem eu gritei aquilo na missa de sétimo dia da minha irmã. Na verdade eu nem fui a missa, nem ninguém. Como dizem: Cada um sente o luto de uma maneira.
O enterro dela foi muito pior. Zayn me pediu para que eu fosse, e eu tive que pensar varias vezes em aceitar, pois eu odiava enterros. Fui obrigado a ir no enterro da minha irmã, e eu não queria ir. Não por não gostar dela, claro que não, mas eu não queria ir para não me despedir. Parte ingênua de mim ainda acreditava que quando eu estivesse em casa ela iria entrar toda triste e cansada, mas iria sorrir para mim e dizer que ficaria tudo bem. Mas passou anos e ela não voltou, e eu sei que nunca vai voltar. E Liam deve sentir a mesma coisa que eu senti quando a perdi, é por isso que estou aqui, ao seu lado, observando a lapide com as informações: “Desistir é para os fracos - Delilah Evans 1996-2015”.
Essa frase fez com que um mero sorriso aparecesse em meu rosto. Lembro-me de quando a vi tocando piano na sala proibida e ela me disse coisas estranhas, mas sabias, e também de quando a encontrei na piscina e pensei que ela estava morta, ela me disse novamente coisas estranhas e sabias. Esse era o jeito dela, e ate mesmo em sua lapide tinha um pouco de seus pensamentos.
Não pudermos ver o corpo de Delilah, o caixão estava trancado, não abriram nem para Liam. Mas eu escutei o porquê de não deixarem abrir. É claro que Liam foi tirar satisfações de o porquê que não abriram a porra do caixão e então ele recebeu outra noticia horrível. Quando o carro da agencia se colidiu com o caminhão que transportava óleo no mesmo momento do impacto ouve a explosão. Delilah estava no banco de trás enquanto o motorista fumava um de seus charutos enquanto dirigia, e quando o óleo vazou e o charuto ainda aceso caiu no mesmo não teve tempo de Delilah nem assimilar o ocorrido que seu corpo já entrou em chamas. Ela não teve tempo de pensar nos últimos momentos de sua vida, não teve tempo de dizer as frases estranhas e sabias que ela sempre dizia, e o pior não teve tempo de cantar uma ultima vez com a sua voz tão preciosa. Não houve um sobrevivente, e quando a encontraram seu corpo era irreconhecível, soubemos que era ela pelo fato de ser a única mulher no acidente e também pelo automóvel ser da agencia e a mesma ter confirmado que era o carro que estava encarregado de levar Delilah até o aeroporto.
Eu fico pensando se ela merecia morrer. Delilah sempre falava coisas que me deixavam com um pensamento, sempre dizia coisas que ficavam em minha mente por horas.
Por exemplo: “Ninguém é merecido de nada”. Eu prefiro acreditar em suas palavras e achar que realmente ninguém é merecido de nada. Minha irmã não merecia morrer, minha mãe não merecia ter o marido horrível que tinha, Liam não merecia perder a amiga e Delilah não merecia morrer. Mas morreu. Mundo cruel, não?
Eu acho que sentirei falta de suas frases estranhas e da sua voz, mesmo tê-la escutado apenas algumas vezes. Mas quem não sentiria falta daquele som maravilhoso que saia de sua boca? O mundo estava prestes a conhecer seu talento, mas infelizmente ela partiu sem ao menos mostrar ao mundo o que ela tinha de perfeito.
O que eu acho realmente estranho é não ter praticamente ninguém no enterro da garota. Os únicos; somos nós cinco, os pais e irmãs de Liam, os pais e irmãs do Zayn.
E quando aos poucos eles foram embora, deixando apenas nós cinco observando aquela lapide no meio de tantas Zayn começou a cantar:
It's been a long day, without you my friend (Tem sido um longo dia sem você minha amiga)
And I'll tell you all about it when I see you again (E lhe direi tudo quando vê-la novamente)
We've come a long way from where we began (Fizemos um longo caminho desde onde começamos)
Oh I'll tell you all about it when I see you again (Oh, lhe direi tudo quando vê-la novamente)
When I see you again (Quando vê-la novamente)
Aos poucos nossas vozes se juntaram com a de Zayn. Foi algo bem baixo e lento apenas dedicando a Delilah. Enquanto cantava as lagrimas de Liam escorriam de seu rosto e caiam em cima da lapide de Delilah.
So let the light guide your way (Então deixe a luz guiar seu caminho)
Hold every memory as you go (Guarde todas as lembranças enquanto você vai)
And every road you take (E cada estrada que você pegar)
Will always lead you home (Sempre a levará para casa)
Home (Casa)
It's been a long day, without you my friend (Tem sido um longo dia sem você minha amiga)
And I'll tell you all about it when I see you again (E lhe direi tudo quando vê-la novamente)
We've come a long way from where we began (Fizemos um longo caminho desde onde começamos)
Oh I'll tell you all about it when I see you again (Oh, lhe direi tudo quando vê-la novamente)
When I see you again (Quando vê-la novamente)
When I see you again (Quando vê-la novamente)
Liam finalizou com a voz tremula e embargada. Foi super legal o que fizemos para Delilah, mas acho que deixou Liam ainda pior. Essa musica trás sentimentos bons e ruins ao mesmo tempo.
Queria saber por que não ninguém da família de Delilah.
Aproveitei que Liam estava ajoelhado em frente a lapide segurando uma coroa de flores e totalmente entregue a pensamentos para dar alguns passos para trás e ficar lado a lado de Zayn.
- Sei que não é um bom momento, mas porque não veio ninguém da família de Delilah? – Perguntei baixinho para Zayn que tinha acabado de tirar um cigarro do bolso.
- Ela não tem, ou tinha. – Ele analisou o cigarro por alguns segundos antes de voltar a falar. – Seus pais eram brasileiros, e a abandonaram em uma favela, a senhorita Dayse Evan era uma jornalista e estava fazendo uma matéria sobre as favelas do Brasil, e então ela achou a Delilah e a adotou.
Ele dizia bem baixo com medo do Liam escutar ou outro alguém, mas o rapaz estava totalmente no mundo do alem observando aquela lapide como um lunático. Zayn continuava a analisar o cigarro entre seus dedos, ele olhou pra mim e depois para o cigarro e então voltou a falar:
- É claro eu para adota-la houve alguns problemas e tal, mas a senhorita Evans estava tão apaixonada pelo bebe que ela tentou de tudo, até mesmo casar com o próprio pai da menina para conseguir ter ela oficialmente como “filha”. – Um mero sorriso se fez em seus lábios, mas rapidamente se desmanchou – Acredita nisso? Ela se casou com um canalha que largou a filha apenas para poder ter a guarda dela. Ela ficou dois anos no Brasil arrumando tudo corretamente para poder voltar para a Inglaterra e ficar apenas ela e a “filha”.
Eu fiquei em silencio tentando digerir tudo aquilo. A “mãe” de Delilah devia amar mesmo ela.
- E o que aconteceu com a “mãe” dela? – Perguntei interessado.
- Ela criou Delilah sozinha, só que começou a ter problemas e começou a deixar a filha sobre os cuidados dos Payne, foi ai que conhecemos a garotinha. Delilah cresceu de uma forma bela, ela era a típica garota perfeita, educada, gentil, doce e meiga. Ela nunca ficava brava com nada, sempre ajudava a todos de todas as formas que podia, ela era a pessoa mais feliz que eu já conheci. – Percebi que em nenhum momento ele acendeu o cigarro e o levou até os lábios, apenas ficava o observando.
- E porque ela parou de falar? – Eu não conseguia compreender aquela historia, Delilah tinha uma mãe que a amava, tinha uma vida perfeita não? Então porque parou de falar?
- Quando ela fez anos descobriu que a mãe tinha câncer e que estava a beira da morte. Ela aprendeu drasticamente a ficar madura e a fazer as coisas como uma adulta. Ela só sabia ajudar a mãe e no começo ela fazia sempre sorrindo dizendo que com ajuda a mãe dela iria melhorar, mas então a mãe dela foi apenas piorando. Lembro-me de como a senhorita Evans sempre fazia coroa de flores para ela dizendo que assim ela era um anjo completo, já tinha a voz de anjo só faltava a coroa de flores. E quando a mãe dela não conseguia mais viver nem com ajuda de todos nós, quando o câncer fez com que ela não pudesse mais ouvir nada Delilah parou de cantar. Ela dizia “Para que cantar se minha mãe não poderá ouvir”. Ela falava raramente, apenas quando era necessário, mas todos nós sabíamos o quanto ela amava cantar. E então...
- E então... – O incentivei a voltar a continuar e Zayn ponderou por alguns segundos antes de respirar fundo e voltar a falar.
- E então sua mãe morreu, e Delilah perdeu totalmente a vontade de falar. Sempre era ela e a mãe dela, as duas eram mais amigas do que mãe e filha. Delilah escreveu uma coisa pra Liam quando ele insistiu por horas para ela dizer porque havia parado de falar e ela escreveu: “Se não posso mais conversar com minha mãe, então não conversarei mais com ninguém”. – Ele voltou a olhar para o cigarro e o amassou o jogando no chão logo em seguida. Zayn se recusando a fumar? O olhei de forma questionadora e ele deu de ombros. – Se eu continuar fumando provavelmente terei câncer, Liam não aguentaria.
Ele amassou o cigarro e eu voltei a olhar para Liam que ainda estava intacto. A coroa de flores ainda sobre suas mãos. Harry estava em pé um pouco afastado e tinha lagrimas nos olhos. Como eu disse, Harry era bom de mais, ele também sofreu ao saber da morte de Delilah, mesmo não sendo de sua família ou alguém próximo. Mas ele chorou e disse as mesmas palavras que a garota; “Ninguem é merecido de nada, ela não merecia”.
Niall havia saído faz alguns minutos dizendo que iria comprar algo saudável para darmos para Liam já que fazia horas que ele não dormia e comia.
- Ela disse que nunca iria voltar a falar, então porque voltou? – Perguntei afinal Delilah havia falado comigo e ainda cantado para milhões de pessoas.
- Bem... Delilah teve que voltar para o Brasil já que era menor de idade e não podia morar sozinha, infelizmente a mãe dela não deixou a guarda para ninguém afinal ela tinha esperanças de continuar viva e poder ver a filha realizar o sonho de cantar para o mundo. E então Delilah teve que ir morar com o pai no Brasil, nós a víamos por Skype e ela ficava cada vez pior. E uma vez quando pensamos que nunca mais ouviríamos a voz dela ela nos disse que quando fosse maior de idade voltaria para a Inglaterra e entraria na faculdade para poder realizar seu sonho. Ninguém ficou mais feliz em receber aquela noticia do que Liam. Quando ela voltou perguntamos por que ela voltou a falar e porque ela voltou a sonhar, sendo que a mesma havia desistido de seu sonho e então ela apenas respondeu, com a voz baixa: “Desistir é para os fracos”.
Nós ficamos em silencio depois daquilo, ainda refletindo sobre o as palavras de Delilah. “Desistir é para os fracos”; Ela não desistiu, nem mesmo quando tudo caiu aos pedaços ela não desistiu. Eu me sinto um idiota por querer me matar.
Mas mesmo assim eu não irei desistir de morrer, afinal desistir é para os fracos.
Zayn caminhou lentamente até Liam e se abaixou ao lado do rapaz, disse algumas coisas em seu ouvido e depois de minutos vi Liam começar a se mexer. Fui para o lado do cacheado que parecia uma estatua parada no meio do nada.
Nós dois observamos Liam colocar delicadamente a coroa de flores sobre a ponta da lapide de forma com que parecesse que a lapide fosse a cabeça de Delilah e ela usasse a coroa de flores. A coroa caiu algumas vezes e Liam a colocou de volta. Forçou um pouco e isso fez com que algumas flores amassassem, mas conseguiu com que a coroa de flores ficasse na ponta da lapide. Ele se levantou e cochichou algo com Zayn.
Niall apareceu com a comida e Zayn sorriu logo cochichando algo de novo para Liam. Ele caminhou até o loiro e cochichou algo e depois veio até mim.
- Nós vamos esperar no carro. – Eu assenti e vi Zayn e Niall caminharem lentamente para fora do cemitério, Harry os seguiu depois de dar um abraço forte e demorado em Liam.
Eu hesitantemente caminhei até o rapaz e fiquei ao seu lado. Não sabia se devia abraça-lo ou dizer algo reconfortante, então fiquei apenas observando a lapide junto com ele.
- “Desistir é para os fracos” – A voz dele saiu baixa e embargada, olhei de relance para ele que tinha um pequeno sorriso. Seus olhos estavam inchados e vermelhos. – Ela nunca desistiu, e eu me sinto horrível ao pensar em desistir.
- Desistir do que? – Perguntei
- De tudo. Assim como você. – Ele murmurou olhando para o céu. Eu fiz o mesmo. Londres estava como sempre, fria e escura. O céu estava nublado e era possível ouvirmos vários trovoes e relâmpagos. Vai começar a chover, e não demorou muito para que os primeiros pingos caíssem em cima de nós e na lapide.
Eu fiquei quieto, não sabia o que falar. Fiquei apenas observando os pingos de chuva molhar a lapide e a coroa de flores.
- Ela não desistiu, então você não devia desistir. – Murmurei.
Liam olhou para mim.
- E você? Ela não desistiu, então não desista de viver.
- Eu nunca irei desistir. – Ele sorriu pra mim. – Eu nunca irei desistir de morrer.
Seu sorriso rapidamente se desfez e ele voltou a olhar para a lapide.
Os pingos começaram a ficarem mais fortes e a atingir nosso corpo mais rápido.
- Delilah amava a água. – Comentou. – Ela amava ainda mais a chuva, ela dizia que quando ficava na chuva era como se a água lavasse todo o seu corpo e levava toda a dor e sofrimento embora. Quando a mãe dela morreu, ela ficou horas na pior tempestade, e quando parava de chover ela esperava outra chuva. Ela ficou tanto tempo embaixo da água que pegou pneumonia e infecção. O mais engraçado quando contaram isso a ela foi que ela chorou, não por ter ficado doente, e sim porque a chuva não levou a sua dor embora como costumava fazer. Quando ela saiu do hospital voltou a ficar na chuva.
Uma risada triste escapou de seus lábios. Delilah sentia o mesmo que eu, ela amava a água.
“Ela é igual a você, em relação à água” – Nunca ninguém estava tão certo como meu professor.
A chuva ficou mais forte e um vento começou a se chocar com nossos corpos.
- É como se o céu estivesse triste com essa perda e está chorando – Disse e Liam inclinou a cabeça para trás com os olhos fechados sentindo as gotas da chuva. – O céu está nos dando a ultima chuva que Delilah não pode sentir para mandar o sofrimento embora.
- Infelizmente essa chuva não esta funcionando em mim. – Liam murmurou.
- Isso só da certo para os “amantes das águas”.
Eu me sinto estranho ultimamente, a cada dia que eu coloco os pés na faculdade me sinto ainda mais estranho. Não consigo descrever esse sentimento. Então apenas ignoro.
A faculdade adiou o dia da apresentação por causa que Liam ainda não teve melhoras. Nossa querida professora sempre nos dava olhares tristes quando passava por nós e sempre sorria reconfortante pra Zayn e pedia para mandar um abraço para Liam. Infelizmente a apresentação seria daqui a duas semanas e nós precisamos ensaiar, não fazíamos ideia de que musica tocar e precisávamos de Liam. Mas ele se recusava a sair do apartamento, se recusava a falar com a gente, ele até disse que sairia da faculdade e nunca mais cantaria. Eu tive que ir ao apartamento dar um tapa na fuça dele.
-Vai se fuder! – Eu gritei enquanto Liam apertava o nariz que sangrava após o soco. Todos estavam estáticos um olhando para cara do outro enquanto Liam me matava com os olhos. – Você vai levantar a porra dessa bunda e vai ensaiar com a gente. Não é só porque sua amiga morreu que você vai estragar a sua vida e a de nós quatro.
Apontei para cada um de nós no quarto. Liam revirou os olhos e Harry teve que me segurar para que eu não avançasse em Liam novamente.
- O Harry tem um sonho, assim como Niall e Zayn. Eu não vou deixar você estragar o sonho deles. – Gritei novamente fazendo Liam suspirar. – Eu sinto muito pela sua perda, eu também perdi minha irmã e eu desisti, mas não quero isso pra você. A própria Delilah não quer afinal desistir é para os fracos.
Abaixei meu tom passando as mãos pelos cabelos e me soltando do cacheado.
- Não seja fraco como eu – Me retirei dali. Era muito drama pra pouco eu.
Felizmente o idiota do Liam caiu na real e resolveu voltar para a faculdade e ensaiar. Nós iríamos cantar uma musica que ele mesmo escreveu, adivinhem: para Delilah. O nome é: Half a Heart
Nossos ensaios foram uma porcaria, teve brigas da minha parte com Liam, e desinteresse de Zayn e Niall. O único com foco era o pobre cacheado.
Eu estava pirando! Minha cabeça dava voltas e eu tinha que relaxar de alguma maneira. Havia acabado de sair de mais uma aula e discuti novamente com os meninos. O pior não foi gritar com eles e sim a cara triste que Harry fez. Niall havia perdido o apetite, Zayn não conseguia mais cantar e Liam sentiu vontade de chorar, Harry teve ataque de asma e eu tive um dos mês ataques de raiva, tudo isso em uma aula com vários alunos nos olhando boquiabertos.
A professora nos mandou para fora da sala. Cada um foi para o seu lado, Harry tomar um ar, Liam lavar o rosto, Zayn beber um pouco de água e Niall procurar algo para comer. Enquanto eu estou vagando pelos corredores da faculdade. Depois de dar uma voltar intensa eu resolvi voltar para a sala, mas parei bem em frente aquela porta onde encontrei Delilah tocando piano.
Só de pensar nela me causa calafrios...
Mas... Havia um piano lá dentro, era tudo o que eu precisava. Certifiquei-me de que não tinha ninguém por perto e rapidamente abri a porta e uma vez que estava dentro a tranquei. A sala continuava do mesmo jeito como a outra vez que estive aqui.
Subi as escadas em silencio e confesso que me senti estranho em não encontrar Delilah tocando piano. Lá estava o piano branco, sozinho apenas sendo iluminado pela luz fraca do sol. Andei até as grandes janelas de vidro e fiquei olhando a paisagem por alguns minutos. Não consegui me acalmar.
Olhei novamente para o piano e sorri de canto. Me sentei confortavelmente no banquinho e estralei os dedos antes de leva-los as teclas beges.
Respirei fundo e soltei o ar, relaxei os ombros e comecei a tocar calmamente as teclas. O som invadiu aquele lugar melancólico fazendo o lugar parecer mais atrativo. Fechei os olhos de forma que eu sentisse ainda mais a musica e conforme minha cabeça ia ficando mais leve eu apertava meus dedos contra as teclas de forma que me sentisse melhor mais rápido. Não estava adiantando, pensamentos horríveis vieram para a minha cabeça.
Imagens da minha irmã, de tragédias, da minha mãe, dos rostos tristes dos garotos invadiram minha mente de uma tal maneira que eu fiz uma careta de dor. Era como se eu sentisse todo o sofrimento deles. E quando não aguentei mais eu soquei as teclas do piano.
- Droga! – Deixei minha cabeça cair sobre as teclas e um som agudo saiu do piano. – Se acalme Louis...
Ou é capaz de eu me jogar contra o vidro.
- Não tenha essas vontades... Não agora. Harry e os outros precisam de você. – Murmurei pra mim mesmo balançando a cabeça contra as teclas. – Aguente, só até o concurso acabar depois... Depois se jogue de qualquer prédio...
Respirei fundo levantando a cabeça e apenas esse movimento me fez ficar um pouco tonto. Fechei os olhos com força e depois encarei novamente as teclas beges.
- Apenas aguente...
Comecei a tocar novamente, mas dessa vez comecei a cantar junto com a melodia que o piano transmitia.
And being here without you
It's like I'm waking up to
Only half a blue sky
Kind there but not quite
I'm walking round with just one shoe
I'm a half a heart without you
I'm half the man, at best
With half an arrow in my chest
I miss everything we do
I'm a half a heart without you
Half a heart without you…
- Mas não é que ele canta e toca maravilhosamente bem...
Levantei minha cabeça com tudo e arregalei os olhos, meu coração disparou e eu afoguei um grito.
Dois olhos se abriram bem na minha frente.
Não só dois olhos como.... Que porra é essa?
Eu sentia minha espinha arrepiada, após o calafrio que subiu por ela, era capaz de ouvir meus batimentos cardíacos e senti o suor em minhas mãos. Mal conseguia respirar ou piscar, eu estava paralisado, pois não tinha explicação. Eu não consiguia me mexer. Acho que eu estou em choque, mas eu quero correr daqui e talvez sair gritando como uma garotinha! Mas desde quando eu tenho alucinações?
Pensei em coisas absusrdas, um demonio, talvez um fantasma, mas na verdade é que eu não acreditava nisso, nem por um momento releti sobre isso ou tive duvidas, não existiam e pronto, até aquele exato momento, bem tipico. De qualquer forma, fui obrigado a rever a ideia de que fantasmas existem á medida em que Delilah se formou em minha frente, debruçada sobre o piano. Não houve barulhos estranhos, luzes piscando ou um frio arrepiante, ela simplesmente se materializou ali, lentamente, quase translucida.
Engoli em seco ao fixar aqueles olhos azuis brilhantes que pensei que nunca mais iria ver. Ela também tinha os olhos arregalados e parecia que estava tão assustada quanto eu. Seu corpo sobre o piano, com os cotovelos sustentando e mantendo seu peito erguido, e seu rosto descansando sobre suas mãos, os olhos piscando lentamente enquanto ela... me analisa, não pareciam ser frutos de um sonho, parecia quase real.
Eu continuei de boca aberta e olhos arregalados quando Delilah se fez nítida. Prendi o ar, finalmente fechando a boca. Meu coração está batendo insistentemente com o medo e susto. Parece que tudo em camera lenta, ou talvez até mesmo parado. Quero me mexer, preciso me mexer, mas o pavor me mantem firme, além de que o medo não me deixa ser o primeiro a me movimentar.
Mas consigo fazer isso no momento que ela estica a mão.
- M-mas q-que p-porra... – Gaguejo com as mãos tremendo sobre as teclas do piano. O rosto dela estava a centímetros do meu e também na mesma altura.
Sua mão para, hesitante.
- Você pode me ver?! – A voz dela estava baixa e surpresa. Nem ela acreditava naquilo.
Eu abri novamente minha boca, mas nenhum palavra saiu, então apenas assenti.
Fiquei abismado, ainda com o rosto de perplexidade. Ela está falando comigo, está na minha frente. Impossível! Eu fui ao seu enterro, vi seu caixão, cantei uma musica sentimental para sua lapide e ela estava na minha frente. A porra de um fantasma de Delilah apareceu e está falando comigo.
Ai meu Deus!
Foi o que eu repeti varias e varias vezes mentalmente ainda tentando processar tudo aquilo. Eu sei lá o que diabos é isso e com que eu estou lidando. Eu mal sei se estou tendo um surto, um derrame cerebral ou um sonho. Talvez pesadelo seja a palavra mais adequada aqui.
Finalmente consegui sair do estado de choque e a primeira coisa que fiz, sendo homem ou mulher, é o que todos fariam foi soltar um grito! Ela se assustou e isso fez com que eu me desequilibrasse do banco e caísse para trás. Delilah se levantou ficando de joelhos em cima do piano, o que fez com que toda a adrenalina percorresse por meu corpo.
- Não se mexa! – Gritei colocando a mão no ar e me arrastando para trás. – Fique ai!
- Louis... Você pode me ver! – Ela sorriu, um sorriso que ia rasgando seu rosto. Ela pulou do piano e veio caminhando até mim, mas parou quando eu coloquei novamente minha mão suspensa no ar e me arrastei para mais longe. – Caramba! Você pode me ver!
Ela soltou um risinho.
Eu quase surtei com essa palhaçada, mas a ingenuidade e o sorriso dela em meio ao riso me fizera abaixar a mão. Pisquei algumas vezes, olhando essa coisa que ainda não sei se é real ou não. Seja lá o que estiver acontecendo, a garota ainda tem os mesmo olhos azuis que parecem atravessar meu corpo e não é uma sensação muito legal. O que me fez parar de me arrastar para trás foi o seu sorriso. O sorriso angelical e puro. Não parecia que ela iria me atacar e me arrastar para o inferno.
A ultima coisa que eu esperaria dessa situação com tantas perguntas foi o que me veio à cabeça assim que Delilah parou de rir.
É uma bela risada.
Diferente das que eu já escutei não era uma risada baixa e tímida e sim uma risada alegre e entusiasmada.
Ela estava com um vestido branco que ia um pouco a cima dos joelhos com babados e calçava um all star branco. Seus cabelos estavam loiros naturalmente como eu havia visto quando a encontrei, e é claro havia uma coroa de flores sobre sua cabeça.
Passaram uns dois minutos aproximadamente com a gente se encarando. Eu de sobrancelhas franzidas pensando em explicações lógicas ou na possibilidade de eu estar em um sonho e Delilah parecendo se divertir um pouco com a situação, mas ao mesmo tempo estando tão curiosa quanto eu.
- Ei! - Ela falou alto demais, me tirando do transe e me fazendo estremecer – Vai falar algo ou se inspirou em mim e está mudo?
Eu arqueei as sobrancelhas de forma penosa, me perguntando se poderia ter me tornado mudo depois de tamanha loucura. A única forma de sair dessa situação e entender melhor seria falando o óbvio. Eu pisquei algumas vezes alternando o olhar de Delilah pra o chão em que ainda estou jogado.
- Você está morta... – Saiu meio incoerente fazendo a bela garota inclinar a cabeça levemente.
Balancei a cabeça fechando os olhos com força, tomando fôlego e dizendo com mais firmeza ao abrir os olhos novamente.
- Você está morta... Não pode ser real.
A loira acenou com a cabeça parecendo concordar comigo, o que me fez segurar a vontade de bater em mim mesmo,
- Você. Está. Morta - Tentei novamente, esperando que ela finalmente caísse na real e sumisse de vez ou então que meu cerebro finalmente voltasse ao normal e eu acordasse.
- Eu ja entendi, não precisa jogar na minha cara. – Delilah suspirou, levando as mãos aos cabelos na onde ela ajeitou a coroa de flores – E sim, eu sou real...
- Então como você pode estar bem na minha frente? – Ela ficou quieta por alguns segundos e pareceu compreender o que eu estava tentando falar. – Eu fui ao seu enterro, tive a certeza de que você morreu... Você não pode estar aqui.Eu não tenho sexto sentido algum!
Respirei fundo, passando a mãos sobre meu cabelo grudado em minha desta,
Ela riu ligeiramente do rosto estranho que eu estava fazendo e deu de ombros antes de falar:
- Sou um espírito. - Respondeu simplesmente, sorrindo em seguida, no entanto seus olhos demonstravam tristeza.
Beleza.
- Agora tudo faz sentido, meu Deus, isso explicou tudo! - Quase gritei, tendo certeza de que estava sendo o mais ironico possivel- .Eu posso dormir calmamente agora e até mesmo escrever um livro sobre isso, porque acabei de encontrar um esprito de uma falecida pessoa e isso é tão normal, não é mesmo? Porque você não vem comigo? No caminho você me conta como virou um espirito, se Deus realmente existe e eu preparo um chocolate quente para nós dois, a qual no fim das contas eu terei que tomar sozinho.
Soltei tudo de uma vez, rindo sarcasticamente e agarrando meus cabelos, porque de fato eu tinha enlouquecido.
Ela gargalhou e isso me assustou, mesmo assim puxei o ar que tinha acabado de meus pulmões, enquanto ela se sentava no chão com as pernas cruzadas.
- Eu não acho nada engraçado, então antes que eu acorde e fique remoendo esse pesadelo horrivel para tentar entender que merda eu comi para ver você, me explique. - Forcei um sorriso, juntando as mãos.
Ela inclinou a cabeça e mordeu a parte interna da bochecha.
- Justo – Ela disse calmamente.
Ela não desviou o olhar do meu. Eu queria ter certeza de que Delilah é real e não ia desaparecer, então mantive seu olhar.
- Eu morri no acidente de carro, indo para o aeroporto. – Ela começou a dizer e sua expressão entristeceu completamente, talvez pelo fato de lembrar daquilo. – É bem estranho você ter certeza de que logo seu sonho irá se realizar, e então do nada tudo muda. Você fecha os olhos por um segundo e quando volta a abri-los está em um lugar diferente da onde estava, vendo seu próprio corpo ficar em chamas.
Eu engoli em seco. Delilah abaixou ainda mais a cabeça e começou a olhar para as próprias mãos.
- Eu sinto muito, acho que... Você não merecia morrer – Confessei, mesmo não sendo amigos, acho que ela merecia um pouco de compaixão.
Ela soltou um riso triste voltando a olhar pra mim. Seus olhos estavam praticamente transparentes de tão claros e parecia que ela estava chorando, mas não tinha lagrimas alguma em seus olhos.
- Ninguém merece, merece? – Ela mordeu o lábio olhando para a janela, comprimindo os labios e apertando as mãos uma nas outras, como se tentasse manter o controle.
- Eu realmente estou falando com um fantasma? – Me perguntei em voz alta, respirando fundo.
- Tecnicamente não sou um fantasma, sou um espirito – Delilah corrigiu, sorrindo fracamente. - Não quero assustar ninguem, quero somente.... Não sei.
- Continua sendo estranho e meio assustador – Insisti, logo depois ficando mais curioso. Ela apenas revirou os olhos e deu de ombros – Como posso te ver?
- Não sou eu quem decide isso. Deve ter sexto sentido ou ser mediumi – Ela sugeriu, gesticulando com as mãos.
- Acho que não, eu nunca vi outro fantasma ou me conectei com isso – Duvidei, franzindo o cenho. - Na verdade eu nem acredito em fantasmas.
- Espírito – Ela me corrigiu, de novo. Parecendo um pouco irritada.
- Como foi? Tipo... Virar um fantasma? – Perguntei incerto, ela voltou a olhar pra mim.
- Espírito! - Corrigiu novamente e eu dei de ombros, bufando ela voltou a olhar para a janela – Foi horrível... Em um momento eu estava no carro pensando em como seria minha vida e no outro eu estava em pé no meio da estrada vendo um carro pegar fogo após uma explosão.
- Você não parece muito abalada. – Analisei, coçando o queixo– Afinal quando me viu você sorriu e até mesmo riu
- Eu não posso ser vista por ninguém, Louis, ao menos não se eu me materializar, mesmo assim ninguém teve sentido, ou sei lá o que pra me ver materializada. – Ela voltou a me olhar e eu desviei. Aquilo era realmente estranho – Imagina você ver um monte de bombeiros retirando o seu corpo de um carro, começar a gritar por ajuda, mas ninguém consegue te ver ou te escutar, imagina como é saber que nunca mais terá uma vida. Imagina como é você ver seu amigo te enterrar e você gritar a pleno pulmões que está bem na frente dele e mesmo assim ele não faz ideia de que você está ali. Eu fiquei sozinha por tanto, apenas vagando por ai, que quando você olhou pra mim eu fiquei feliz em saber que alguém pode me ver. – Ela suspirou – Faz tanto tempo que morri que pensei que ficaria assim pra sempre... Apenas “vivendo”.
Eu me senti horrível naquele momento... Se eu me matasse ficaria como ela?
- Você disse que faz tempo que morreu? – Perguntei meio sem entender, afinal ela morreu a menos de duas semanas.
- Sim, acho que já morri a mais de um ano não?
Eu arregalei os olhos.
- Não faz nem duas semanas... – Murmurei fazendo Delilah se sobressaltar.
- Não... Duas semanas? Mas... – Ela olhou para os lados e depois para mim. – Eu estou sozinha há tanto tempo que pra mim já se passou anos, e você me diz que foi apenas duas semanas?
Assenti.
Ela deixou o corpo cair no chão com os braços esticados de forma esquisita. Os raios leves e fracos do sol iluminaram seu corpo e eu quase desmaiei ao ver ela praticamente transparente. Reparei que em seus pulsos e pernas não tinham mais nenhum corte. Por quê? Queria perguntar, mas não acho que seria uma boa ideia.
- Puta que pariu! – Me assustei quando ela gritou e voltou a se sentar. – Duas semanas, pra mim já se passaram séculos.
- Exagerada – Murmurei, mas ela escutou.
- Exagerada? Louis ninguém consegue me ver! Ninguém consegue me ouvir! Você é o único! – Ela se levantou com tudo e eu recuei novamente. – Infelizmente
Murmurou essa ultima parte, soltado os braços ao lado do corpo,
- Eu não pedi para você aparecer pra mim! – Gritei de volta me levantando.
- É, mas aconteceu. – Ela retrucou de volta e depois se acalmou. – Eu... Eu não queria morrer... E pior disso tudo é ter que ficar aqui. Por que eu não fui sei lá para o céu? Por que ainda estou na terra?
Dei um passo para trás enquanto ela passava as mãos furiosamente pelos cabelos.
- Você disse que tem que ficar aqui? Aqui nessa sala? – Ela assentiu se acalmando – Por que não sai?
Ela caminhou até o piano e levou lentamente os dedos até as teclas.
- Eu amo musica
Foi tão simples, tão genuíno, tão inocente... Ela parecia um espírito de criança. Eu me peguei tendo simpatia pela garota tocando levemente as teclas. Eu achei que não seria possível sentir isso até porque Delilah ainda me assusta e pra mim não era tão agradavel assim.
- Mas como você apareceu aqui? – Perguntei sem sair do meu lugar.
Delilah me olhou por um estante antes de voltar à atenção as teclas.
- Eu estava totalmente desesperada vendo meu corpo, pedindo ajuda enquanto todos me ignoravam. Não tinha ninguém me dizendo o que estava acontecendo, Louis. Eu simplesmente tive que ligar os pontos. – Ela suspirou. – E ai eu pensei em Liam, seria bom ele estar ao meu lado dizendo que tudo iria ficar bem como sempre fez, e daí subitamente eu estava com Liam.
Arregalei os olhos e ela riu baixinho.
- Você estava com ele, junto com os meninos. – Ela disse pegando o banco do chão que caiu quando eu me assustei ao vê-la. Ela o levantou e o colocou corretamente no lugar. – A professora estava confirmando que eu estava realmente morta, aquilo foi o suficiente para mim ter certeza que minha vida estava acabada.
Ela voltou a ficar com os olhos vagos.
- Depois eu só pensei em sumir, tentar entender se aquilo realmente era real. Aquelas malditas perguntas me rondando: Porque eu? O que eu fiz para merecer isso? Eu tinha uma vida inteira pela frente, então por quê? Mas ninguém me respondeu Louis.
Ela caminhou até a janela e encostou a mão direita no vidro da mesma.
- Eu sinto muito – Eu disse com honestidade, olhando com pena para ela.
- Não sinta, eu também tendo não sentir – Ela disse seria. Seu corpo pareceu sumir por alguns segundos devido a luz que brilhava sobre ela. Por um momento a comparei com um anjo, e não com um espírito. – Eu realmente não entendo, porque estou aqui, falam que espíritos ficam vagando por vingança, quando tem uma missão para fazer ou então se suicidam...
Eu engoli em seco. Ela olhou pra mim e reparou o meu pavor e sorriu.
- Você quer se tornar um suicida não é mesmo, Louis? Faça isso e saiba como é doloroso passar cada segundo como se fossem anos sozinho.
Um silencio horrível pairou sobre nós. Se eu me matasse eu ficaria vagando por ai? Não...
Ela começou a rir e eu a encarei sem entender.
- Você queria morrer, e eu queria viver e realizar meus sonhos, mas quem acabou morrendo sou eu. Que desgraça não? Porque? Droga! – Ela voltou a ficar com os olhos tristes. Olhou novamente para a janela e eu fiz o mesmo. O sol começou a sumir e nuvens escuras começaram a cobrir o céu. – Eu acho que te odeio.
Ela confessou e eu me virei rapidamente para ela.
- Por quê?
- Por quê? Pelo simples fato de você querer jogar sua vida fora e não morrer enquanto eu tinha tudo pra ser feliz e acabar aqui. Eu odeio você. – Ela socou o vidro, uma, duas, três vezes.
Respirou fundo e depois voltou a olhar pra mim.
- Desculpe... Eu não te odeio. Eu só... Não consigo acreditar.
- Tudo bem – Voltei a olhar para a janela. A mão dela ainda estava no vidro. – Enfim, você ainda não disse como veio parar aqui.
Eu já acreditava que ela era realmente um espírito, afinal não tem outra lógica pra ela estar ali, pois ela estava morta, isso era fato. A única coisa que eu podia fazer era tentar... Compreende-la
- Quando eu aceitei que estava morta, depois de bastante tempo me recusando a acreditar eu comecei a ir a lugares que sempre tive vontade de ir. Eu simplesmente penso em algum local ou alguém e simplesmente apareço. Pensei em Paris e logo eu estava lá, pensei no Japão, estava lá, e por ai vai. Acho que fui a todos os lugares possíveis e impossíveis do mundo. Até que não é tão ruim... Mas ai eu cansei, pois não tinha graça fazer tudo aquilo sozinha, e eu não queria ficar viajando eu só queria fazer o que mais amo, cantar e tocar. E então me lembrei dessa sala, aqui tem vários instrumentos que posso usar. Tem até violino. – Ela sorriu apontando para o armário de vidro com os instrumentos de mão – Eu estava lá... No meu enterro.
Eu engoli em seco, ela havia escutado que eu perguntei da família dela pra Zayn afinal ela estava lá.
- Eu me senti horrível quando vocês cantaram See You Again. – Ela confessou. Um sorriso triste se formou em seus lábios e logo desapareceu.
Olhei novamente para a vista e vi que estava chovendo.
- Eu não posso mais chorar. – Disse baixinho pra que eu não escutasse. Notei que antes ela não falava, mas agora fala mais que o eminem. – Então o céu chora por mim.
- Tocante – Murmurei a fazendo rir.
- O liam... Ele está bem? – Encostou a cabeça contra o vidro.
- Não – Ela me olhou de canto de olho e eu suspirei. – Está tentando seguir em frente, eu acho.
- Não deixe ele desistir dos sonhos dele. – Pediu e eu assenti. – Desistir é para os fracos.
Na hora eu me lembrei da conversa com o Zayn
- Delilah... – Ela olhou pra mim. – Você estava em seu enterro certo, então você sabe da minha conversa com o Zayn
Ela assentiu antes de falar:
- Você é bem curioso sabia?
- Então... Você tinha desistido, disse que não iria mais cantar e tal, porque resolveu não desistir mais? – Eu realmente queria saber o porquê.
- Você realmente é muito curioso. – Ela suspirou retirando a cabeça do vidro e olhando de volta para a vista. – Lembre-se Louis, não significa que só porque você desistiu que todos vão desistir. Eu não era fraca como você
Suspirei irritado. Isso eu já sabia.
- Eu acho que deveria ir embora. – Ela assentiu ainda olhando para a vista.
- Você vai voltar? – Eu fiquei pasmo com a pergunta. Ela queria que eu voltasse?
- Acho que não. Não espero realmente que te veja de novo pra minha própria saúde mental – Eu brinquei com uma pontada de verdade
- Como é? – Ela olhou pra mim, juntando as sobrancelhas.
- Desculpa! – Pedi rapidamente – Não quero te ofender, é só que eu não quero ficar olhando um fantasma entende.
- Espiri-
- Você entendeu. – A cortei.
Delilah suspirou, voltando a olhar a vista.
- É, se eu fosse você iria falar o mesmo provavelmente, então entendo. É só ficar afastado daqui, sinto muito, mas até eu achar outro lugar pra mim, eu não vou sair.
- Ah, não, claro! Vou ficar distante pode deixar – Eu a tranquilizei. – Fantasmas e seus direitos, certo? – Brinquei novamente a fazendo revirar os olhos.
- Eu não vou falar novamente, Louis – Bufou.
- Eu preciso ir. Espero que você encontre a luz ou sei lá. - Eu não sabia como me despedir de um espírito.
- Louis, cala a boca e vai logo. – Ela deixou um riso escapar e eu não sei por que, mas um sorriso se formou em meus lábios, achando o riso dela um tipo de música para meus ouvidos, tirando o fato de que ela fica bem jovial.
Sai rapidamente do local e quando a porta se fechou atrás de mim deixei meu corpo escorregar pela mesma e soltei um suspiro.
O que acabou de acontecer... Realmente foi real? Eu realmente falei com o espírito da Delilah? Porque eu? O Liam deveria vê-la e não eu. Mas porque ela continua aqui? Ela é um bom espírito não é? Não deveria ir para o céu ou coisa do tipo? Então porque ela continua aqui?
- Lou? – Levantei o olhar e encontrei o cacheado. Suspirei e ele se agachou na minha frente.
Eu deveria contar a ele? Delilah disse que ninguém a viu então se eu contasse e ele não a visse iria pensar que estou ficando lunático.
Já não basta eu querer me matar, ainda por cima viro um esquizofrênico? Não...
Por hora guardarei o “segredo” dela comigo.
- Se sente melhor? – Ele se levantou e esticou a mão pra mim, a segurei e ele me puxou pra cima.
- É, acho que sim. – Murmurei dando uma ultima olhada na porta e começando a andar para minha sala.
- Aonde vai? – Me virei e encontrei o cacheado me olhando confuso – A aula já acabou faz uns 15 minutos.
Bufei batendo o pé
- Eu vou pra casa – Acenei com a mão direita e comecei a andar para a saída da faculdade. Pude escutar Harry gritar “Não se mate”. Depois de hoje, não posso prometer nada.
No outro dia nosso ensaio foi novamente um fracasso. Liam e Zayn não conseguiam se concentrar, eu estava ainda louco em relação à Delilah. Niall não parava de reclamar e Harry ficou calado no canto.
- Não está dando certo! – Liam grunhiu.
- Rapazes? – A professora apareceu com uma expressão cansada, não de dar aulas e sim cansada das nossas brigas. – O que houve?
- Não conseguimos nos concentrar... – Liam disse passando as mãos pelo rosto e bufando em seguida.
- Deve ser por causa do barulho, porque não ensaiam em outros lugares? – Ela sugeriu sorrindo para o cacheado, mas desmanchou o sorriso quando Harry não sorriu de volta. – Meu Deus! Certo, eu quero que vocês me sigam. Agora!
Nós nos entreolhamos e começamos a segui-la. Ela disse aos alunos para continuarem com o que estavam fazendo que logo voltaria. Andamos alguns metros e logo ela parou em frente a uma grande porta. Pegou um molho de chaves e a abriu.
- Vocês ficaram aqui dentro até que consigam fazer um ensaio descente. – Com isso ela nos empurrou para dentro e saiu.
Observei o local em que estávamos, era outra sala de musica. Igual a nossa, mas não havia ninguém, apenas os instrumentos.
- Okay... – Começou Niall. – Vamos respirar fundo e começar novamente.
Fizemos o que ele pediu, afinal a apresentação estava chegando. A sala não ajudou em nada, novamente brigamos por causa dos solos, por causa dos instrumentos, por minha causa, por causa do Liam.
- Rapazes! – Niall gritou fazendo eu parar de empurrar o Liam e olhar para ele. Harry estava sentado no chão. Seu peito subia rapidamente e descia.
Outro ataque.
Corri até ele e abri sua mochila pegando a bombinha. Ele estava tão desesperado que nem conseguiu pegar a bombinha da minha mão então eu mesmo coloquei em sua boca e apertei o botão. Aos poucos ele foi se acalmando.
- Desculpe – Pedi baixo e ele suspirou deitando no chão.
Me levantei e olhei para cada um deles nos olhos.
- Desculpe. – De cabeça baixa eu deixei a sala.
Mas que inferno Louis! Você só piora as coisas!
Chutei a primeira porta que vi, soquei a parede, bati a cabeça contra outra porta. Levantei a cabeça e vi a sala “proibida”. Eu preciso relaxar, se não vou matar alguém e matar a mim mesmo logo em seguida.
Entrei rapidamente no local e subi as escadas, encontrando o piano branco do mesmo jeito que das outras vezes. Lá estava ele, sozinho no centro do cômodo sendo iluminado pela luz que vinha do sol através das janelas.
Me sentei rapidamente no banco e comecei a tocar rapidamente e agressivamente nas teclas do piano, logo a sala foi tomada pelo som. Senti a musica como se fosse algo físico que não entrava somente pelos meus ouvidos, mas fluía dentro de mim, me cercava, fazia meus sentimentos vibrarem. Fiquei ali, tocando por longos minutos até que toda a minha raiva estivesse nas teclas e saísse em forma de musica. Suspirei aliviado quando não tinha mais nenhum pensamento me rondando. A musica foi ficando aos poucos mais calma e lenta e então eu retirei meus dedos das teclas e passei as mãos pelo rosto.
Ficou um silencio reconfortante naquela sala e então novamente o cômodo foi preenchido por musica, mas não por mim nem pelo piano. E sim por um violino que estava flutuando.
Arregalei os olhos e meu coração disparou. Aos poucos o corpo de Delilah foi surgindo. A mesma roupa de ontem, mas a coroa de flores era de outra cor. Ela estava sentada em cima do piano, o violino em seu ombro enquanto era tocado levemente por ela.
Ela parou de tocar a então me encarou com aqueles olhos vibrantes, ela estava um pouco transparente, mas aos poucos ficou mais solita. Mais materializada.
- Pra quem disse que nunca voltaria aqui. – Ela debochou analisando o violino.
- Pois é eu tinha a certeza disso ontem. – Murmurei. Eu fiquei a noite inteira pensando em Delilah. E se eu a visse novamente? E estou a vendo novamente, e a coisa mais madura que posso fazer é acreditar que isso seja normal.
- Ontem? – Ela me olhou com o rosto franzido – Faz um dia que você veio aqui?
Assenti e ela suspirou pulando do piano e indo guardar o violino.
- Parece que foi a dias. – Eu fiquei pasmo novamente. – É estranho, o tempo passa tão rápido, mas tão lento ao mesmo tempo.
- Como você não percebe que passou um dia? – Questionei – Dorme demais?
- Espíritos não dormem – Ela revirou os olhos e sumiu. Simplesmente sumiu.
Olhei para todos os lados atordoado. Meu coração acelerou porque ela continua sendo um espírito e isso me assusta. Não posso saber onde ela está e o que pode fazer.
- Boo!
Pulei da cadeira quando ela sussurrou no meu ouvido. Minhas mãos foram diretas para o lado esquerdo do peito enquanto ela se materializava e gargalhava.
Eu nunca pensei que Delilah fosse assim, eu prefiro essa Delilah.
- Parece que depois de morta você ficou engraçadinha. – Me recompus e ela parou de rir, voltando a se sentar em cima do piano.
- Eu já disse, fiquei muito tempo sozinha, quase cheguei a enlouquecer. – Ela disse baixo. A expressão antes feliz e divertida foi trocada por uma triste e deprimida.
Senti-me horrível, mas antes que eu me desculpasse ela voltou a falar,
- Eu não durmo, mas parece que eu me desligo às vezes. – Inclinei a cabeça para o lado direito e ela me olhou por uns segundos antes de voltar a olhar para os pés que balançavam. – Eu me sinto fraca às vezes, é como se eu precisasse dormir para me recompor, meio que fecho os olhos e penso: Seria bom descansar um pouco. E ai quando abro os olhos novamente não há nada a minha volta, eu simplesmente fico em um lugar totalmente negro ou totalmente branco.
- O alem? – Tentei entender e ela deu de ombros.
- Eu não sei, mas sei que fico lá por um bom tempo até me senti “revigorada”.
- Deve ser estranho. – Murmurei e ela assentiu.
- Que seja – Ela pulou do piano e caminhou lentamente até o armário abrindo o vidro e pegando o violino.
- Como você consegue pegar os objetos? – Questionei e ela deu de ombros antes de começar a tocar algo calmo.
- Não sei, eu simplesmente consigo pegar. – Ela sorriu tristemente. – Mas eu não sinto.
- Você não sente?
- Não, nada que eu toque. Eu não sinto absolutamente nada. – Ela analisou o violino antes de voltar a tocar. – Mas me diga, Louis, porque você voltou aqui?
- Eu precisava relaxar, quase bati no seu queridinho amigo. – Ela parou de tocar no mesmo instante e me fuzilou com os olhos – Ele não queria voltar a tocar, iria desistir do concurso. E agora nós não conseguimos mais ensaiar sem brigar.
Um longo silencio se instalou e Delilah ficou me observando por uns dois minutos antes de suspirar e começar a falar.
- O Liam não consegue fazer nada depois que algo de ruim acontece, se vocês não fizerem ele se sentir bem, então nunca conseguirão ensaiar – Ela voltou a tocar o violino e eu me peguei admirando. Ela tocava com tanta cautela e de uma forma doce que parecia aqueles típicos anjos tocando Arpa.
- Você sugere o que?
- Le precisa de distrair, o leve para tomar sorvete ou algo do tipo. Tem que se divertir – Ela deu de ombros errando uma nota. Ri da cara indignada que ela fez para o próprio violino. – Ah cala a sua boca, você por acaso nunca errou uma nota?
- Não... – Ela suspendeu as sobrancelhas – Talvez...
Ela sorriu satisfeita e voltou a atenção para o violino.
- Bem eu vou tentar então... Leva-los a algum lugar divertido – Ela assentiu e eu sai rapidamente do local ainda escutando o som agradável do violino.
Entrei na sala com tudo e todos me olharam surpresos mas quando viram de quem se tratava desviaram o olhar.
Liam estava em um canto perto de Zayn, do outro lado estava Harry mexendo no celular e Niall comendo algo esquisito.
- Vamos sair – Comecei a pegar suas mochilas e entregar para cada um deles.
- Como é? – Zayn não acreditou.
- Não conseguiremos ensaiar sem nos distrair e nos sentir bem com nós mesmos – Mumurei pegando minha mochila e ajudando Harry e Niall a ficarem de pé
- Bem, quando nos conhecemos nós só conseguimos “trabalha” depois de virar amigos. – Harry disse baixo mas todos escutamos.
- Ele tem razão. – Zayn desceu do pequeno palco. – Vamos nessa.
- Não! – Liam praticamente gritou mas Zayn pegou em seu braço e o arrastou pra fora.
Niall sugeriu que fossemos em uma sorveteria, nós fomos. Depois Harry pediu para irmos ao shopping, nós fomos. Depois Zayn quis ir da uma olhada na galeria de arte, nós fomos.
- Onde você quer ir Louis? - O cacheado perguntou quando nós paramos em frente à outra sorveteria pro Niall comprar um picolé pra nós.
Dei de ombros.
- Porque não jogamos futebol? – Todos me olharam sem acreditar e Niall quase deixou cair os picolés de sua mão. Ele entregou para cada um de nós. – Eu jogava futebol com meu pai, mas faz bastante tempo que não jogo. Seria legal... Sei lá, jogar com vocês.
- Boa ideia! – Antes que alguém reclamasse Harry nos empurrou para o pequeno parque que havia no centro. Ele foi comprar uma bola barata em alguma loja qualquer enquanto nós os esperávamos já no gramado bonito do parque.
Ninguém falou nada, cada um chupando seu picolé em silencio.
Logo ele trouxe a bola, e começamos a jogar três toques. Improvisei um gol com os meus vans e eles fizeram uma careta porque eu não curto muito usar meias.
Jogamos a tarde inteira e sorri quando Liam gargalhou de algo que eu fiz, ou quando Harry ficava todo atrapalhado, quando Niall fazia uma dança vitoriosa esquisita.
- Pra quem ficou anos sem jogar você joga muito bem – Elogiou Liam quando nós paramos de jogar para descansar.
- Eu gosto do esporte, tanto quanto natação. – Sorri ao lembrar do dia que recebi minha primeira bola de futebol do meu pai. Pai... Meu sorriso se desmanchou na hora – Está tarde, devemos ir embora.
Eles assentiram e começamos a caminhar para fora do parque. Cada um foi para o seu canto, Harry me acompanhou mais um pouco.
- O que você fez foi bem legal – Ele comentou quando paramos na ponte.
- Obrigado, se não fizesse isso acho que não iríamos voltar a ser como éramos antes. – Murmurei. Olhando para a água me deu aquela sensação de me jogar, mas não podia fazer isso, não com o cacheado perto de mim.
- Fico feliz que pense assim. – Ele deu o sorriso de covinhas e se virou de costas para a ponte. – Obrigado Lou.
- Por...
- Por não ter se matado
Ainda
- Ah, claro. – Sorri forçadamente e o cacheado acenou antes de atravessar a rua e ir para algum lugar. Respirei fundo e fui para a minha casa.
Espero que esse dia tenha valido a pena, se não irei me jogar contra o trem.
No outro dia eu fiquei pasmo por ter finalizado um ensaio maravilhoso. Liam estava melhor, assim como todo o resto. Fiquei feliz em saber que o rechonchudo não me odiava.
Quando acabaram as aulas, eu corri para aquela sala onde sabia que encontraria Delilah. Subi rapidamente as escadas e não encontrei nenhum instrumento flutuando.
- Delilah? – Perguntei baixinho e aos poucos ela foi aparecendo. Estava deitada em cima do piano. As costas encostada contra o piano e a cabeça virada para o lado da janela. Uma perna estava deitada enquanto a outra estava dobrada. Seus braços descansavam sobre sua barriga. – Deu certo...
Ela virou lentamente a cabeça para mim esperando que eu continuasse.
- Conseguimos ensaiar perfeitamente. – Ela sorriu fracamente voltando a olhar para a janela. Dei a volta ficando ao seu lado. – Obrigado.
- Tudo bem, é um prazer ajudar um amigo – Ela sorriu de canto.
Meu corpo ficou tenso e meu rosto endureceu. Ela está mesmo me vendo como um amigo? Apesar de tão pouco tempo. Não que o tempo seja uma regra pra se ter uma amizade, a minha com os garotos foi no mesmo dia. Mas é diferente com Delilah e eu não posso ignorar isso. É a sensação que tenho. Não devemos ser amigos, não assim. Tudo bem a gente se falar e ajudar um ao outro, mas a gente não pode ter uma amizade. Eu não posso ser amigo de alguém que não existe mais nesse mundo, só está vagando por aqui. Não posso sair com ela e conversar normalmente porque as pessoas que não conseguem ver estranhariam e achariam que estou louco.
- Não somos amigos – Apertei uma tecla do piano distraidamente, evitando olhar para ela ao dizer isso.
Esperei ela começar a falar alto deixando a voz mais aguda, ficar surpresa ou deixar passar, mas ela não disse nada. Parei de apertar a tecla e criei coragem para olhar na direção dela. Ela estava olhando para um ponto fizo no chão, com a testa franzida como se tivesse pensando com dificuldade.
- Delilah? – Falei com cautela.
- Achei que poderíamos ser amigos. – Sua voz estava baixa.
Eu voltei a olhar para o piano começando a me sentir mal.
- Não que nós tivéssemos que ser, é que você pode me ver e tal – Ela fez uma pausa antes de voltar a falar: - Pensei que pudéssemos ser amigos agora, você é o único que pode me ver e conversar comigo.
Fiquei de frente para ela.
- Delilah, você me parece ser legal e foi de grande ajuda sobre o negosio do ensaio – Ela continuava com a visão no chão – Serio, mas eu não posso fazer isso. Entende? Não dá certo...
Mexi as mãos entre ele e eu
- Não tem como isso acontecer, você não está mais viva. E nós não éramos amigos quando você pertencia a esse lugar, e agora você não pertence mais, não tem lógica... Entende?
Ela se encolhei e virou para o outro lado.
- É eu sei – Murmurou.
- Me desculpa...
- Tudo bem Louis – Ela se levantou ficando sentada no piano. Agarrou ambas as pernas e colocou o queixo sobre o joelho – Eu só cometi um engano.
E sorriu.
Fiquei em duvida ainda, não acreditei muito em seu sorriso, mas se não fosse real ela fingia muito bem. Sei que isso foi uma sacanagem, mas é melhor assim. Ela vai se acostumar. Só está confundindo as coisas já que sou o único que pode vê-la e falar com ela. Isso não quer dizer que devemos ser amigos. É o correto, não é?
- Bem... Você poderia ir ver a nossa apresentação, será no sábado daqui a uma semana – Ela assentiu – A musica que Liam escreveu é totalmente dedicada a você.
Ela assentiu novamente.
- Até depois – Caminhei até as escadas.
Me virei para ela uma ultima vez e ela apenas sorriu, mas dessa vez eu consegui notar que os seus olhos não pareciam felizes. Será que fui rude demais?
Esqueça...
Não voltei mais naquela sala. Nossa apresentação foi um sucesso. Liam chorou enquanto canta, e vi os olhos de Zayn lacrimejarem. Não sei por que, mas enquanto tocava eu fiquei olhando para a plateia procurando cabelos loiros e longos, ou uma coroa de flores. Mas não encontrei nada.
Quando a apresentação acabou e disseram que nós estávamos na final os garotos resolveram sair para comemorar em algum lugar leal com bastante comida. Eu aceitei, mas havia deixado a minha mochila no palco quando estava me arrumando. Disse para eles irem na frente que logo os alcançava. Não tinha mais ninguém no local. Enquanto pegava minha coisas perto do piano reparei uma pessoa bem no fundo da plateia.
Vestido branco, cabelos loiros, coroa de flores. Hesitei, mas quando percebi que ela estava de cabeça baixa olhando para o violino em mãos eu decidi me aproximar e falar com ela rapidamente.
- Delilah?
Fiquei em pé ao seu lado. Olhei ao redor pra ter certeza de que ninguém estava por perto.
- Ah, oi Louis – Ela levantou a visão pra mim e sorriu.
- Assistiu a apresentação? Eu não te vi na plateia – Estranhei, ficando curioso.
- Eu vi, claro. Eu não estava materializada. – Assenti. – A propósito, a apresentação foi linda. Se eu pudesse chorar, choraria.
Havia um pequeno sorriso em seus lábios.
- Quer tocar comigo? – Ela levantou um pouco o violino e apontou para o piano em cima do palco.
Eu encarei o violino, não vendo o seu rosto. O sentimento de culpa tinha desaparecido, mas começou a voltar lentamente porque eu não vou poder fazer isso. Já vou sair com os meninos e não quero Delilah se aproximando de mim dessa forma, será pior para ela e para mim.
- Não dá – Toquei no violino e o abaixei pra conseguir ver seu rosto.
Tudo que vi foi o sorriso dela diminuindo e isso me incomodava mais do que devia.
- Okay – Ela voltou a baixar a cabeça e a encarar o violino. Batendo as unhas nas cordas.
Eu abri a boca pra falar alguma coisa, mas nada saiu então simplesmente sai dali.
Sai correndo sem dizer mais nada ou olhar pra trás, eu preciso alcançar os meninos e já perdi muito tempo. Porque sinto como se tivesse chutado um filhote ou batido num bebe? Sei que Delilah não é nada disso, é um espírito, mas eu sinto que estou sendo incrivelmente cruel com ela. Não é minha intenção se a estou magoando, mas eu estou com medo da aproximação.
Parei de correr quando os alcancei e esse ultimo pensamento latejou na minha cabeça
Afinal eu não gostava de Delilha quando ela era viva e muito menos ela gostava de mim. Então porque nos aproximar justo agora?
- Que demora – Liam bufou e eu suspirei caminhando um pouco mais atrás indo em direção à pequena lanchonete.
- Vamos lá Louis, anime-se. – Disse Harry animado – Ganhamos!
Eu apenas sorri pra quem quisesse ver, mas as sensações misturadas no meu estomago tornava impossível minha concentração pra fazer qualquer outra coisa. Quando a gente a lanchonete tinha outros alunos que também vieram pra comemorar. Sentamos numa mesa grande perto da parede e o pessoal veio nos parabenizar. Olhei para o cardápio pra achar algo interessante pra comer e resolvi pegar um lanche simples. Quando levantei o olhar percebi que o povo já tinha ido embora, me peguei olhando para a Pietra uma menina da nossa turma. Ela canta muito bem e toca piano. Seus cabelos escuros e tem uma pele linda, além do sorriso maravilhoso e olhos azuis. Esses dois últimos só não superavam os da Delilah. Na verdade até o cabelo da Delilah é mais legal, mas essa não é a questão.
- Louis, você está encarando – Niall murmurou do meu lado.
Arregalei os olhos e desviei o olhar antes que ela percebesse, sentindo minhas bochechas esquentarem. Mas talvez eu estivesse envergonhado pelas ultimas coisas que pensei, comparando ela a Delilah.
Todos nós pedimos o que queríamos e conversávamos enquanto comiamos.
Em algum momento Liam comentou que estava lendo livros sobre espiritismos para tentar fazer contato com Delilah ou algo assim. Eu engasguei com a comida e bebi uma grande quantidade de refrigerante. Eu posso vê-la e escuta-la normalmente enquanto ele quer fazer rituais para invocá-la. Que estranho.
Eu senti meu coração palpitar e me mexi de forma incomodada na cadeira, desviando o olhar, mas continuando a escutar. Ele comentava que sentia a presença dela e coisas do tipo. Achei estranho pois Delilah dizia que nunca saia daquele lugar, mas hoje ela saiu então...
Um vento forte bateu contra os vidros fazendo as garotas frescas darem gritinhos e os rapazes rirem. Olhei para a janela e percebi que o tempo havia fechado e logo iria começar a chover.
Algo natural de Londres.
- Então, Liam – Disse Nial depois de dar outra mordida na pizza – Você acha que espíritos existem?
- Sim. – Ele disse normalmente – Eu acreditava um pouco antes, mas depois que perdi Delilah eu me foquei mais sobre isso e tal. E acredito que não só existem, mas que também tem vários aqui pela terra. Eu gostaria que Delilah estivesse aqui, para eu poder sei lá me comunicar com ela. – Ele deu de ombros
Não, não iria querer.
- São fantasmas – Niall murmurou.
- Não, são espíritos – Corrigi. Força do habito, culpa da Delilah.
- Porque eles ou até mesmo Delilah ficaria por aqui? Eles não vão pro céu ou coisa assim? – Harry perguntou interessado.
- Eu li bastante sobre isso e entendi que tem vários motivos, eles vão para o paraíso, céu ou como preferirem e ficam lá até se evoluírem completamente. Pra isso eles vem para a Terra completar missões e quando falham, precisam vir de novo. Tem uns que vem por opção pra ajudar entes queridos. Por isso nunca lembramos as nossas vidas passadas quando nascemos de novo, porque como humanos iríamos tentar acertar o que erramos só pra evoluir e não porque realmente tomamos essa decisão com tantas coias impedindo – Liam bebeu um pouco da sua cerveja antes de voltar a falar: - Ou talvez tem aqueles que se suicidam...
Todos olharam pra mim e eu fiz careta voltando a prestar atenção em Liam.
- Pode ser as pessoas que não aceitam ir, pode ser espíritos mesquinhos que ainda se prendem as coisas da terra e gostam de ficar perturbando a vida de quem ainda está aqui... Ou eles ainda precisam fazer algo antes de ir.
Eu não sei por que, mas me senti nervoso com essa conversa.
- Nós podemos ver espíritos? – Niall perguntou de boca cheia.
- Tem gente que pode ver – Ele deu de ombros – Gostaria de poder ver, poder ver Delilah...
- Serio que você queria vê-la? – Suspendi a sobrancelha, duvidando, afinal eu fiquei bem assustado quando vi Delilah pela primeira vez.
- Claro – Ele olhou pra mim – Tem uns muitos ruins, mas tem os bons também. Quem olha normalmente pode ajudar esses espíritos.
- Eles têm sentimentos? Tipo tristeza, saudade, amor – Perguntou Niall
- Pelo o que eu li, sim. – Liam mordeu o lábio e suspirou. – E também eles se sentem sozinhos e confusos ate descobrirem o que devem fazer. Eu fico pensando, e se Delilah está por ai? Sozinha e confusa. Isso parte meu coração, eu queria poder ajuda-la.
Seu rosto entristeceu e Harry rapidamente tentou anima-lo.
- Mas... E se ela estiver no Paraíso? Ela era tão boa, deve estar lá junto com os anjos, coisa e tal. – Ele sorriu e Liam deu de ombros novamente.
Meu coração deu um aperto e eu perdi o apetite, afastando minha comida, sentindo um enjoo na barriga.
Eu tenho que fazer algo. Eu não posso ficar com esse sentimento dentro de mim. Talvez esse seja o certo a fazer. Eu estou com medo, sim. Mas meu medo não se compara ao que ela sente. E se fosse eu? E se ela fosse a única a me ver? Como eu me sentiria quando pensasse nela como amiga e ela me enxotasse. Ficar sozinho deve ser horrível, passar dias e mais dias vendo as pessoas, mas elas não verem você. Sonhar e ter os sonhos destruídos de um segundo para o outro. Eu fiquei sozinho a minha vida inteira, e estava tão acostumado com aquilo que quando os meninos viraram meus amigos eu achei estranho, mas Delilah... Ela sofreu tanto, e agora não tem ninguém. Está confusa, com medo, e sozinha e a única pessoa que pode vê-la é um idiota medroso e fraco.
- Eu preciso ir! – Me levantei rapidamente
- O que? Pra onde? – Zayn ficou confuso e os outros também.
- Está chovendo – Disse Niall e eu confirmei ao olhar para a janela. – É melhor esperar.
- Não posso esperar, já adiei muito – Murmurei olhando para baixo.
Eles se olharam e Harry suspirou.
- Toma – Me entregou um guarda-chuva. – Eu posso ir embora quando a chuva passar.
- Serio, curly? – Sorri.
- Curly? – Ele fez careta - Amanhã você me entrega. – Ele sorriu e eu sorri de volta depositando um beijo em sua cabeça.
- Muito obrigado Harold. – Sorri e abri o guarda-chuva, saindo correndo com minha mochila nas costas.
A forma que eu corria fazia algumas gotas de chuva atingir meu rosto por que eu estava contra o vento. Mas o guarda-chuva ajudou bastante. Eu cheguei á faculdade e corri para dentro. Meus vans rangiam no piso por causa da água. Eu corri quase pulando os degraus das escadas, determinado em chegar à sala de musica o mais rápido possível e consertar as coias com Delilah.
Sou o único que posso vê-la, talvez eu seja o único que pode estar aqui por ele e ajuda-lo como ela fez por mim. Ceguei ao local familiar e abri a porta com tudo, subi as pequenas escadas e vi apenas o piano branco no mesmo local.
- Delilah!
Parei, respirando alto e com dificuldade. Passei a mão no rosto, afastando as goras que tinham me acertado. Procurei por alguém sentado no piano, segurando o violino ou algum instrumento suspenso no ar. Nada.
- Delilah? Está aqui? – Tentei de novo?
Selencio e nenhum movimento. Esperei mais alguns segundos e depois meus cérebro trabalhou pro próximo passo.
A sala de apresentações! Ela ainda estaria lá?
Desci as escadas e fechei a porta e voltei a correr para a sala quase deslizando no piso. Abri as portas da sala de apresentações e olhei tudo detalhadamente.
- Delilah? – Gritei e nada. – Está aqui?
Gritei mais uma vez e nada. Esperei alguns segundos e nada mudou. Suspirei e voltei para a sala onde a encontrei pela primeira vez depois que morreu. Talvez ela tivesse se “desligado” ou sei lá, descansando e voltou agora.
Subi novamente as escadas e a chamei novamente. Suspirei quando não recebi nenhuma resposta. Caminhei até as grandes janelas e encostei minha cabeça no vidro. Eu respirava com dificuldade, lá fora chovia bastante. Olhei para a vista e quase enfartei ao vê-la. Eu prendi o ar.
Lá, no escuro embaixo da chuva, uma imagem suave e iluminada se destacava. Uma garota embaixo de uma arvore analisando o violino de cabeça baixa.
Soltei o ar e corri para fora. Quando saí do prédio um frio me atingiu junto com uma forte chuva. Me aproximei com passos barulhentos na grama molhada, eu sabia que ela podia escutar.
Parei a sua frente e ela levantou a cabeça surpresa.
- Louis?
Eu sorri pra ela, meio em desculpas.
- O que está fazendo aqui? – Perguntou.
- Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta – Olhei em volta – Está chovendo, muito forte.
- A chuva não me atinge – Voltei a olha-la. Seus olhos estavam tristes e ela soltou um sorriso fraco. – Eu amo a chuva, e ela não me atinge.
Me agachei a sua frente.
- Eu vim pra cá porque faz tempo que não vejo a chuva. – Ela murmurou soltando o violino que provavelmente iria estragar. Ela juntou as mãos em frente ao rosto tentando fazer aquele típico “copinho” para pegar a chuva, mas não deu certo. – Eu queria poder senti-la, apenas poder me sentir um pouco viva.
Delilah fica com uma beleza maior quando fala de coisas tão simples que a satisfaz. Na chuva, ela tinha razão, ela não podia a atingir e isso me deixou mais curioso em relação à de olhos azuis. Agora ela parece algo mais puro e leve que um corpo normal. Como uma aura.
- Mas o que você veio fazer aqui, Louis? – Ela ainda queria saber, já que não fiz nada alem de observa-la.
- Eu vim tocar violino com uma amiga. – Escondi um sorriso e ela abriu a boca desviando o olhar.
- Na chuva?
- Aham.
Ela pareceu ficar mais triste, mas disfarçou para que eu não percebesse.
- Pode me emprestar o violino? – Apontei para o instrumento em seu colo. – Não estou a fim de entrar e pegar outro.
Ela franziu as sobrancelhas apertando o violino contra o peito, mas depois entristeceu o olhar e balançou a cabeça uma vez. Ela estendeu o violino pra mim e eu o peguei. Fechei o guarda chuva e o deixei ao seu lado. A chuva me encharcou na mesma hora e nos primeiros segundos estremeci com o tecido frio grudando em minha pele. Mas depois se tornando algo agradável e refrescante, afinal eu também amo a água.
- Louis! Você está se molhando! – Ela começou a se exaltar se levantando – Você pode ficar doente, tem certeza que vai tocar? Na chuva?
Ela olhou ao redor.
- Alem do mais, cadê sua amiga?
Ri levemente de sua ingenuidade.
- Estou olhando pra ela.
Ela arregalou os olhos azuis- maravilhosos devo resaltar – e inclinou a cabeça levemente. Seus cabelos loiros não estavam molhados enquanto os meus estavam grudando em minha testa de tão encharcados que estavam.
- Mas você disse que não somos amigos – Ela mostrou a tristeza dos olhos e eu suavizei minha expressão.
- Eu sei o que eu disse, eu sinto muito. Eu nem consigo imaginar como deve ser doloroso pra você “viver” assim, e mesmo que eu sege fraco a ponto de querer me matar não significa que quero o mesmo pra você. Eu sei de pouca coisa sobre você Delilah, porém sei como você não desistiu e que não é nem um pouco fraca. Por isso estou aqui, para tentar anima-la até que você possa encontrar a luz e tal. Eu posso querer me tornar um suicida, mas não gosto de ver as pessoas sofrendo – Ela desviou o olhar – Nem espíritos.
Sorriu levemente.
- Então... Toque violino pra mim. – Lhe devolvi o instrumento e ela o analisou por alguns segundos – Gosto de ouvi-la tocar.
Demorou alguns segundos, mas aos poucos os lábios dela se curvaram no sorriso familiar e mais lindo que já vi alguém ter até hoje. Sua imagem sumiu levemente, não sei muito bem porque, talvez pela euforia e a risada animada que ela deu ao começar a tocar e sair um som horrível devido o instrumento estar encharcado.
Delilah, minha mais nova e única amiga espírito.
Fiquei um tempo sem ver Delilah, precisava ensaiar devido a final estar chegando. Mas quando acabaram as aulas, eu fui direto para a sala abandonada.
- Delilah! – Gritei jogando minha mochila em qualquer canto e vendo sua imagem aparecendo aos poucos em cima do piano.
- Precisa gritar? – Ela revirou os olhos e eu me arrependi de ter virado seu amigo. Era estranho falar com ela, já que quando ela estava viva nós simplesmente não gostávamos uns do outros.
Ou sei lá.
- Desculpe? – Pedi me sentando no banco do piano. Ela se virou de frente pra mim e ficou observando enquanto eu dedilhava algumas teclas.
- Como Liam está? – Perguntou depois de um tempo.
- Melhor, eu acho. – Dei de ombros.
- E você? – Eu a encarei e ri, ela continuou seria. – Responda!
Uma coisa que sei sobre Delilah: ela é bipolar. Em um momento está frágil e triste, no outro alegre e divertida, no outro brava e respondona. Bem ela era assim antes de morrer então não posso pensar que ela ficou assim depois de morta.
Fico imaginando porque eu e ela não nos damos bem quando ela ainda era viva, e só agora começamos a conversar. Talvez pelo fato de que ela não falava antes...
- Ainda tem vontade de se matar? – Eu assenti – Por quê?
- Você é curiosa. – Ela revirou os olhos. – Eu apenas não quero continuar vivendo aqui entende? Odeio tudo isso, eu quero me matar para acabar com essa coisa que vocês chamam de vida.
- Quando uma pessoa pensa em suicídio ela quer matar a dor, mas nunca a vida – Eu parei de tocar e a encarei. Os olhos azuis estavam mais brilhosos do que o normal, seu rosto estava levemente pálido e transparente, notei que sua coroa de flores era de outra cor. E lá vem ela com essas frases de abalar os pensamentos. Ela tem essa coisa incrível de falar coisas estranhas, mas que faz você parar e refletir. Ela é tão inteligente e sabia que parece uma anciã.
- Da onde vem isso em? – Perguntei e ela inclinou a cabeça sem entender. – Esses pensamentos tão filosóficos.
Deu de ombros.
- Eu apenas falo o que penso. – Olhou levemente para a janela e depois pra mim. – Você acha que quando você morrer, caso consiga se suicidar você ficará como eu? Afinal falam que suicidas quando não vão para o inferno ficam vagando pela terra.
Engoli em seco e respirei fundo.
- Bem, eu não sei. Só me suicidando para saber – Debochei a fazendo rir levemente.
- Louis... Posso confessar algo?
- Que você é um espírito? Oh não me diga – Debochei e ela bufou, mas havia um pequeno sorriso querendo se formar. – Tudo bem, fale.
- Você vai achar estranho. – Eu inclinei a cabeça e engoli em seco.
- Nada irá me surpreender mais do que já me surpreendeu, qual é estou conversando com o espírito de uma garota que eu não gostava porque não falava e me xingou de fraco e covarde.
Ela suspirou.
- Diga logo - Pedi.
- Eu escuto vozes... – Disse tão baixo que eu tive que repetir.
- Vozes?
Ela assentiu, seu corpo ficou transparente novamente e eu quase desmaiei ao poder ver as coisas através de seu corpo.
- Não importa se eu estou no “alem” ou aqui, eu fico ouvindo vozes. – Ela se sentou e agarrou o próprio corpo afundou a cabeça nos ombros. – É horrível...
- Você está escutando agora? – Perguntei observando aquela cena. Delilah parecia totalmente frágil e quebrável, diferente de alguns segundos atrás.
Ela balançou a cabeça negativamente.
- Quando você aparece às vozes cessam. – Arregalei os olhos e fiquei a encarando. – Isso é mais estranho ainda, quando você não está elas ficam falando e quando você aparece elas simplesmente se calam.
Sua voz estava tão baixa, mas tão baixa que eu tive que me levantar do banco e ficar ao seu lado. Ela agarrou ainda mais o corpo.
- O que elas dizem? – Perguntei interessado. Qual é, eu podia ver e conversar com um espírito.
- Você vai rir de mim – Murmurou virando a cabeça para o outro lado.
- Não... Eu acho – Ela revirou os olhos – Me conte, ou você quer que eu vá embora para as vozes voltarem?
Ela me fuzilou com os olhos me fazendo encolher os ombros, nervoso.
- Está me chantageando? – Fiz cara de ofendido e ela revirou os olhos novamente. – Elas ficam dizendo seu nome. – Sussurrou essa ultima parte.
- Como é?
- Elas ficam sussurrando seu nome: “Louis...” “Louis...” – Ela se encolheu ainda mais escondendo o rosto no vão das pernas. – O pior é quando elas começam a gritar
- Gritar o que? – Perguntei vendo seu corpo tremer levemente.
- “Salve-o”
Salve-o? Mas o que? Isso é muito estranho, realmente estranho. Estou começando a ficar arrepiado e tremulo. Dei um passo para trás.
- Elas te pedem para me salvar? – Questionei e ela deu de ombros.
- Pedem para te salvar, te ajudar, essas coisas. – Murmurou com a voz sendo abafada pelas pernas. – Depois que você vai embora elas começou a gritar “O proteja”.
Proteger?
- Proteger de que? – Ela soltou um riso esquisito – Eu lhe proteger? Isso só pode ser brincadeira. Alem de eu morrer tenho que protegê-lo, do que afinal?
Dei outro passo para trás.
- Isso é estranho e aterrorizador. – Engoli em seco.
- Não é você quem escuta. – Ela levantou a cabeça e me olhou. Seus olhos transbordavam tristeza e amargura e nesse exato momento eu senti uma dor no peito. – Eu não sei o que fazer...
- Você quer ajuda? – Perguntei não acreditando nas minhas palavras. Mas vê-la desse jeito, tão distante e triste, ainda mais devido o que lhe aconteceu eu não me sentiria bem sem poder fazer algo. Eu queria poder não vê-la mais afinal as coisas começaram a piorar em meu consciente depois que a conheci, seria bom poder ajuda-la a encontrar a luz e eu a encontrar a minha morte.
- Vai me ajudar? – Ela se animou soltando do banco e se virando para mim.
- É, sei lá – Dei de ombros. – Liam estava conversando sobre algumas coisas espíritas e disse que alguns espíritos ficam na terra para completar missões.
- Missões? – Repetiu ela com o olhar vago – Mas qual missão?
- Não sei, Liam disse que alguns ajudam seus familiares, talvez você deva ajudar alguém ou sei lá – Dei de ombros.
- Bem, acho que você está certo, afinal não tem outro porque de eu estar aqui. Eu preferia ir logo para algum lugar finalmente descansar do que ficar vendo as pessoas vivendo suas vidas alegremente enquanto eu não posso fazer nada...
Fiquei quieto apenas a deixando em seu mundinho.
- Porque quer me ajudar, Louis? – Ela me olhou e eu dei de ombros.
- Você me ajudou, e mesmo que não tivermos nos dado bem quando você era viva, acho que você não merece ficar sofrendo aqui. Eu sou o único que posso vê-la e eu quero me matar. Sinto-me mal em pensar que posso me matar e você ficar aqui sem saber o que fazer...
Ela ficou me observando por alguns segundos e depois arregalou os olhos, parecendo entender algo.
- Delilah? – Ela piscou algumas vezes. – Está tudo bem?
Ela assentiu olhando para a janela.
- Bem, espero que você encontre a luz, e eu encontre a morte.
- Encontrar a luz? – Ela riu brevemente – Certo...
Olhei para meu celular e vi que deveria ir para a casa. Eu querendo ou não minha “familia” precisava de mim.
- Vou nessa... – Murmurei colocando o celular no bolso. – Irei procurar nesse final de semana alguns livros de espíritos e trago para ti, talvez possa ajudar afinal Liam disse que sabe dessas coisas graças aos livros e tal.
- Amanha é sábado? – Eu assenti e seu olhar rapidamente ficou vago.
- Algum problema? – Ela assentiu caminhando lentamente até a janela e colocando a mãos sobre o vidro da mesma forma que fez da outra vez.
- Dois dias... Pra você não é nada, mas pra mim... É como se fosse dois meses, dois meses escutando vozes – Se fosse possível eu juraria que lagrimas desceriam por sua face.
- Bem... É por isso que irei ficar meu final de semana inteiro pesquisando. Eu vou tentar trazer o Maximo de informações pra você na segunda, está bem? – Ela assentiu.
Caminhei lentamente para a saída.
- Louis... – Me virei e encontrei seus olhos azuis levemente transparentes assim como todo o seu corpo. A luz que brilhava atrás dela a deixava de uma forma tão pura que fez meu coração se aquecer. – Obrigada.
Ela sorriu de uma forma tão genuína e meiga que sem nem querer eu sorri de volta. Por um estante ela me lembrou da Liz, tão meiga e adorável.
Eu saí dela com um sorriso no rosto e com minha irmã na cabeça. Lembro-me de como a Liz se parece um pouco com a Delilah. Inquebrável por fora, mas por dentro...
Os olhares de que Delilah me dava era os mesmo que Liz me olhava quando eu fazia alguma coisa estúpida ou dizia algo ridículo. Quando Delilah ficou triste lembrei-me da minha irmã que ficou dois dias seguidos chorando porque meu pai havia separado de Jay, ela não chorou porque perdeu o pai, ou coisa do gênero, ela chorou porque não saberia como seguir em frente junto a nós. Delilah parece não estar triste porque morreu e sim por não saber como seguir em frente.
Eu sou fraco, quero me matar e desisti da minha vida, enquanto Delilah está morta e sofrendo por não encontrar uma saída pra isso, mas ela continua sorrindo, acreditando que há uma luz no fim do túnel.
Eu me sinto desprezível, enquanto eu estou querendo tirar a minha vida Delilah está lutando pela dela, e ela nem tem mais.Eu vi a minha irmã decaindo aos poucos e não consegui e ajuda-la, não vou deixar isso acontecer com Delilah.Minha vida está acabada, e não deixarei isso acontecer com Delilah mesmo ela não tendo mais vida.
Ela precisa de uma salvação? Eu então serei a sua. A salvação de Delilah.
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