Wuxi percebeu que tinha dormido e dormido muito quando abriu os olhos e sentiu seu corpo pesado e precisando intensamente de um bom alongamento. Saiu da cama um pouco tonto ao mesmo tempo em que uma batida suave na porta soou em seus ouvidos:
— Príncipe Consorte?
A voz era desconhecida, mas suave e por algum motivo Wuxi sentiu que a pessoa atrás da porta era uma pessoa boa. Ele sempre foi sensitivo e seu pai, quando criança, e depois seu Shifu quando maior, diziam que era o sangue da sua mãe nele.
Mas nunca levou a sério, até agora.
Foi até a porta e a abriu para ver um homem vestido em preto e vermelho diante dele com uma bandeja cheia de quitutes. Ele usava uma trança lateral longa que o deixava mais humano, em sua opinião, e por isso sorriu natural por ver alguém sem os cabelos aprisionados impiedosamente.
Ele se curvou respeitosamente e disse de forma educada e quase despojada:
— Bom dia, Príncipe Consorte. Meu nome é Wei Ying e eu sou seu pajem de companhia – Ele sorriu natural e Wuxi sorriu em resposta de forma automática outra vez – Espero que me aceite ao seu lado, ficarei honrado em servi-lo.
— Oh... – Wuxi por algum motivo não pensava naquela pessoa como um servo, ele não parecia em nada com um, de todo modo deu espaço para ele entrar e ele o fez como se conhecesse bem os seus aposentos. Levou a bandeja para a mesinha próxima da janela redonda e elegante enquanto olhava ao redor com as mãos na cintura de forma realmente despojada e irreverente. Wuxi foi até ele curioso – Você sempre morou no palácio?
— Eu? Não, não... - Wei Ying se virou para ele com os olhos risonhos – Eu moro do outro lado da cidade, mas fui escalado para servi-lo, sua majestade... – E ele tocou na ponta da própria trança com ar pensativo – Pensa que o Príncipe Consorte ficaria mais tranquilo comigo ao lado, sabe... Somos selvagens.
Nisso ele sacudiu o cabelo e Wuxi se deu conta de que ali, ele era o forasteiro ‘selvagem’.
— Por que as pessoas daqui prendem tanto os cabelos como se acorrentassem seus fios?
— Isso é o comum, na verdade... Hummm... – Nisso ele deu de ombros – Deixe que eles pensem que isso é o certo, as vezes controle é associado com rigidez, mas não serei eu a dizer a verdade, não é mesmo?
— Você é do Norte?
— Longa história, um dia quando sua alteza tiver tempo e disposição eu conto, no momento, sua alteza deve se alimentar enquanto eu preparo seu banho. Sua alteza é esperada para o almoço com os príncipes reais.
— Almoço, mas eu cheguei de manhã e dormi e...?
Wuxi parou de falar quando sua mente confusa se deparou com o risinho divertido do homem a sua frente:
— Sua alteza dormiu por dois dias - Wuxi abriu a boca em choque e logo tinha o homem a sua frente dando tapinhas em seu ombro de forma amistosa - Está tudo bem. A viagem foi longa, todos entendem.
Dois dias... Ele tinha dormido por dois dias...
Como foi possível?
Ainda incrédulo sobre isso, mas consciente que precisava se inteirar de tudo aquilo o mais rápido possível, afinal ele era o mais enrolado naquela situação, não discutiu mais e foi tomar um banho super atrasado e muito necessário.
A viagem não tinha sido um trajeto simples e ele optou por não ficar parando em estalagens todas as noites, assim sendo ele de fato precisava lavar os cabelos de forma completa.
Quando voltou para a parte do quarto com a cama, notou que havia um traje diferente sobre ela... Uma roupa com mais uma camada do que estava habitualmente acostumado e que tinha as cores daquele reino, azul pálido e dourado.
— Eu devo usar isso?
Wuxi sabia que estava com uma expressão complicada agora. Parte de si sabia que era o protocolo, ele não era de todo ignorante da etiqueta matrimonial, porém pensou que aquilo... podia ser adiado.
— Não é algo obrigatório, mas seria de bom tom. Veja, as túnicas de Xian são mais longas, porém isso as faz mais confortáveis também. Sua alteza é o esposo que veio para a família e esse será seu primeiro encontro formal com seus noivos, sendo assim, deveria usar as roupas de um noivo do reino. Não precisa deixar de usar suas próprias roupas e com o tempo, quando quiser, o costureiro real virá e atenderá qualquer pedido seu, contudo hoje, eu aconselharei usar um traje formal de noivo de Xian.
— Eu precisarei prender os cabelos em um coque?
Aquela pergunta só conseguiu sair de si entre os dentes serrados e talvez, vendo um pouco de fúria contida em si, Wei Ying negou de forma solene:
— Pode ser arranjado.
E foi assim que acabou saindo do quarto não muito tempo depois vestido de azul celeste com bordas douradas típicas de Xian, mas com os cabelos presos na lateral apenas por um pente simples de jade.
Wuxi era um glaciano e seria sempre um glaciano, ponto final!
Wei Ying lhe deixou na porta de um salão requintado e se curvou outra vez:
— Basta entrar, sua alteza.
Wuxi queria pedir a ele que parasse de chamá-lo assim, mas não se sentia muito calmo para iniciar aquela conversa, deixaria para depois. Por isso assentiu e empurrou a porta alta se deparando com um cômodo até que aconchegante, com uma mesa em C no centro coberta de alimentos, muitos dos quais não fazia a menor noção do que eram, e cinco homens espalhados pelo lugar se voltando para ele praticamente ao mesmo tempo.
Engoliu em seco e tentou manter a coluna reta e digna.
Não era como se permitisse que o intimidassem, mas também não podia negar que aqueles homens pareciam uma escala de frieza como as pinturas de seu Shifu na caverna de gelo sem fim. Do azul congelante ao azul frio suave. De todo jeito, era como ter entrado em uma caverna glacial com deuses invernais.
Alisou inconscientemente um pouco da gola tentando não parecer sufocado, afinal aquelas roupas todas pareciam que iriam soterrar seu pescoço a qualquer instante e infelizmente, aquele gesto não passou despercebido.
Um dos príncipes que ainda não conhecera, veio para ele e o olhou mais seriamente antes de esticar os dedos e abrir um pouco da túnica mais acima e que estava fechada hermeticamente. Wuxi quase estapeou a mão intrometida, mas como aquilo pareceu facilitar a sua respiração, acabou apenas dando um passo para trás em silêncio:
— Não deve fechar de forma tão selada se ainda não tem o costume – Ele soou frio, firme e um pouco ríspido, mas parecia que realmente estava em algum grau preocupado – Não queremos que sufoque antes do casamento.
E nisso ele deu um meio sorriso quase ínfimo e Wuxi estreitou os olhos ficando imediatamente irritado.
ESSE...!
— Este é Xiuming, o terceiro príncipe – Naihe disse lhe sorrindo de forma pacífica, também pouco emotivo, contudo, parecia o menos ‘pedra de gelo’ dentro daquele salão. Wuxi pensou com uma pitada de sarcasmo se ele era algum tipo de pessoa oficial de apresentação. Logo o príncipe Naihe apontou para o homem que estava próximo da janela e era o mais afastado dele ainda próximo da porta – Aquele é Yingzheng, o primeiro príncipe e sucessor do trono. Eu e Zishu você já conhece e esse aqui é Wangji.
Ele terminou apontando com discrição para o homem que estava sentado tomando chá em uma mesinha lateral. Este assentiu levemente quando foi apresentado, mas não disse nada, nem expressou nada, como se fosse uma estátua divina inalcançável, ainda que tivesse lhe olhando assim que entrou ali.
Wuxi suspirou internamente.
Não se sentia cômodo com nada daquela situação e apesar de ardentemente querer dar meia volta e ir embora daquele palácio e daquele reino, sabia que não podia. Seu pai tinha concordado com aquele casamento e se ele se negasse a casar, seria uma desonra a sua família e aos seus ancestrais.
Seria uma desonra com o seu Shifu.
Relembrou as últimas palavras do seu mestre no dia em que partiu das montanhas:
“Honre suas obrigações matrimoniais e lembre-se que junto de você, irá toda a sua história familiar. Faça sua mãe se sentir orgulhosa, Xi’er. Tenho fé em sua retidão”.
Assim como podia fugir? Como podia humilhar seu clã?
A resposta era óbvia: Não podia.
Assim, se retorcendo por dentro e lamentando seu destino injusto e cruel, mesmo sua mãe morta dizendo o contrário, ele se curvou educadamente e cumpriu o protocolo habitual levando as mãos juntas a frente em um comprimento formal:
— Altezas, eu sou Wuxi, terceiro príncipe de Águas Glaciais e estou aqui para cumprir meus deveres matrimoniais como príncipe consorte.
— Nós o recebemos – A voz dura e ainda assim solene ressoou em seus ouvidos e ele ergueu os olhos para ver o príncipe herdeiro vir para ele de forma imponente e decidida e por fim pegar suas mãos e abaixá-las com calma – De hoje em diante não há necessidade de se curvar a nenhum de nós. Aqui em Xian, noivos são íntimos ao ponto de dispensar essas formalidades em privado. Na família real, além de dispensa de formalidades gerais, ainda temos práticas de tolerância de convivência. Vai entender melhor com o tempo, por hora basta saber que não há necessidade de se cercear sobre qualquer assunto e que pode, a qualquer momento, nos procurar para qualquer coisa.
Wuxi não esperava aquele tipo de atitude e talvez por isso se sentiu um pouco desnorteado ao ponto de que quando Naihe veio para ele, pegou uma de suas mãos e o levou para a mesinha de refeição, ele não se distanciou nem emitiu qualquer ação contrária. Era como se seu cérebro não conseguisse processar todas essas informações.
— Esses são bolinhos de franco ao molho agridoce, gosta de molho agridoce? - Ele pegou palitinhos e apontou para a bandeja mais próxima e em seguida apontou para outra – Aqui são rolinhos de legumes e carne de porco e aquilo são sementes caramelizadas.
Wuxi percebeu que as comidas só tinham cara diferente, mas não era tão diferentes no fim e por isso, pegou seus próprios palitinhos e provou os pratos percebendo que eram ótimos, na verdade.
— Eu imagino que tenha dúvidas, Wuxi, deseja fazer alguma delas?
Zishu que se sentou a sua direita, já que Naihe estava a sua esquerda, lhe questionou de modo levemente interessado, se voltando para si com um rosto impassível.
Wuxi suspirou e aceitou a abertura bem-vinda:
— Sim, alteza, eu tenho muitas dúvidas – Olhou para os bolinhos na sua tigela e suspirou de novo. O príncipe herdeiro tinha lhe dito que devia ser franco e não evitar procurá-los, então o que ele tinha a perder? – Quando é o casamento?
— Em três dias, os preparativos já estavam organizados e assim que chegou, demos sequência para as finalizações – O segundo príncipe lhe olhou mais incisivo – Procurei saber como são os casamentos no seu reino e pelo que entendi, não são tão diferentes de Xian, a não ser que aqui os aposentos de casal são um. Não iremos morar em palácios diferentes nem dormir em camas diferentes. Uma vez casados, estamos compartilhando os mesmos aposentos. Nós seremos seus maridos e você nosso esposo. Não haverá mais ninguém em nosso casamento.
Wuxi que estava levando um bolinho para a boca ficou tão chocado que seus palitinhos perderam o pedaço de lanche ao mesmo tempo em que a mão livre que estava repousando em sua coxa, se agarrou a sua pele como se fossem garras.
Mesmos aposentos... Mesmos aposentos...
— Isso... Er...
— São nossas tradições e são o segredo de uma união conjugal próspera.
Quem disse aquilo foi o terceiro príncipe, Xiuming, o homem que descaradamente lhe provocou sobre sufocamento e absurdamente tocou sua túnica interna sem pudor.
“Não queremos que sufoque antes do casamento”
Ele disse. Então pode sufocar depois? Era isso?
Sabia que espremeu os lábios, mas não pode evitar e logo sentiu sua mão sobre sua coxa ser coberta de forma leve. A pele era quente e de alguma forma passava suavidade, mas Wuxi estava tão perplexo que não afastou o toque por baixo da mesa:
— Três dias...
— Pense que essa tradição vai nos aproximar mais rápido.
Naihe parecia realmente acreditar naquilo, Wuxi, pelo contrário, sabia que era um erro.
— Terei... Nós vamos... Consumar e...?
— Pela carta do seu pai, soubemos que viveu recluso em um templo de treino daoísta... Seu cultivo tem base purista, então temos ciência de que não está familiarizado com nada que signifique uma vida conjugal, por isso decidimos que vamos ir em seu ritmo, ainda assim as tradições permanecem.
O príncipe herdeiro soou taxativo e Wuxi perdeu o apetite em seguida. Em sua mente a impossibilidade de tal coisa rondava como um grupo de cadáver ferozes agressivos.
Homens juntos em um leito matrimonial simplesmente não fazia sentido. Como poderia haver núpcias? Como poderiam... Fazer coisas que casados fariam?
— Beba um pouco de chá e respire fundo.
Uma mão surgiu a sua frente e logo uma xícara de chá fumegante foi posta diante de si com gestos solenes e ágeis. Wuxi ergueu os olhos e viu os olhos do Quarto príncipe sobre os seus, fixos, firmes, plácidos. Havia algo naquele homem que lhe fez engolir em seco ao mesmo tempo respirar mais calmo, como ele ordenou.
Ele ficou ali, curvado diante de si, esperando e Wuxi levou um certo tempo para se dar conta que era sobre o chá. Por fim tomou a bebida em um gole só, de forma deselegante e o encarou irritado.
Ele queria adestrá-lo, era isso? O pouco de calma que veio com o chá, se foi.
Por fim ele deu um risinho de canto que mais parecia um risco nos lábios finos arrogante e se ergueu imponente:
— Será interessante ter um esposo tão voluntarioso, de repente comecei a gostar desse casamento.
Mais uma onda de choque percorreu seus sentidos e Wuxi teve de fechar os olhos e clamar por todo o controle das montanhas para conseguir evitar que se erguesse, virasse a porcaria da mesa e gritasse a pleno pulmões com aqueles arrogantes idiotas!
— Wuxi.
— Me deixe!
Rosnou rebatendo de forma ainda mais grosseira o chamado do príncipe herdeiro e por fim se ergueu da mesa, se afastou de todos eles e olhou para a porta como um leão da montanha traçando uma rota de fuga. Sentia seus meridianos se desalinharem outra vez e precisou fechar os punhos e abri-los uma dúzia de vezes antes que se contivesse ao menos para não fazer ainda mais ações agressivas e trazer desonra a sua linhagem.
Eles seriam seus maridos... Apesar de tudo ele devia respeito aqueles homens e... E... O que mais!?
Levou uma das mãos à cabeça sentindo que uma dor aguda estava prestes a romper, mas ainda havia tempo de voltar ao quarto que ainda tinha para uso próprio e meditar um pouco. Meditação sempre ajudou e ele sabia que naquele momento, precisava urgentemente de um longo tempo meditativo.
— Wuxi... Está melhor?
O sexto príncipe soou próximo outra vez e dessa vez sua voz estava realmente preocupada, contudo... Wuxi não se sentia mais capaz de continuar aquela reunião:
— Eu quero voltar ao meu quarto.
Disse evitando de olhar para alguém em específico e permanecendo com os olhos baixos, apensar de se sentir humilhado por ter que agir daquele jeito, mas era isso ou perder de vez o resto de controle.
— Vá e descanse – Yingzheng disse em tom neutro – Essa noite teremos um jantar formal de apresentação do príncipe consorte para a corte de Xian, espero que compreenda que deva comparecer ao pôr do sol, assim não perca a hora.
Wuxi assentiu rápido e saiu dali quase correndo, se fosse analisar com mais cuidado seus atos nos últimos minutos e por estar com pressa, mal se deu conta de que o pente caiu dos seus cabelos e ele errou umas duas vezes os corredores antes de chegar aos seus aposentos de fato.
Se escorou na porta de dentro com o peito acelerado e rogou para todos os deuses que se recordava para que lhe dessem alguma iluminação divina e solução para aquele caso ou ele teria mesmo que em três dias...
Sacudiu a cabeça não querendo formular as palavras nem mesmo em pensamentos.
Ele era um homem, não uma mulher, ele era... Um homem!
“Uma vez casados, estamos compartilhando os mesmos aposentos. Nós seremos seus maridos e você nosso esposo. Não haverá mais ninguém em nosso casamento”
A voz do príncipe parecia um aviso agourento em sua cabeça que latejou ainda mais forte e Wuxi se jogou na cama desolado.
Núpcias... Mesmos aposentos... Mesma cama...
AHHHHHHHHHHHH!
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