"Então um dia, ele a encontrou chorando
"Encolhida no chão sujo
"O príncipe dela finalmente veio para salvá-la
"E o resto você consegue imaginar
"Mas era um truque e o relógio bateu meia-noite"
Millie.
-Eu não passei. -Digo, encarando o rosto de minha mãe se encher de compaixão do outro lado da mesa de seu consultório. -O reitor divulgou o resultado da vaga para a monitoria mas meu nome não estava incluído.
-Ah, minha querida!
Ela levanta e em instantes está ajoelha no chão me abraçando, me dando um consolo do qual, percebo que nem mesmo preciso.
-Estou bem. -Afirmo, me afastando um pouco dela que me olha desconfiada.
-Você queria tanto isso.
-Eu sei, mas ao mesmo tempo, quando sai da entrevista eu soube que não passaria. Não me saí bem, mas está tudo bem. -Digo, estranhamente resignada com minha falha.
Na verdade eu não sei se não me importo com isso ou se apenas não estou me importando tanto agora pois algo me preocupa muito mais do que isso.
-Você fica estranha toda vez que Finn aparece. -Mamãe parece adivinhar. Levanta e arrasta a cadeira para sentar ao meu lado. -O que aconteceu com ele ontem? Porque ele parecia tão... Destruído daquele jeito?
Suspiro baixinho e paro de encara-la. Finn não parecia. Ele estava destruído de verdade e mesmo depois da nossa conversa em que eu jurei que não o achava um monstro, tudo desmoronou no momento em que fizemos sexo.
Mais uma vez a minha euforia e minhas ilusões de que sou uma garota normal com desejos normais, apenas me fizeram estragar tudo e acabei enfiando coisas na cabeça de Finn mesmo sem querer. Ele se odiou naquele instante em que eu desabei. Vi isso pela forma como tentou se afastar de mim como se tivesse feito a pior coisa do mundo, se culpando por algo que eu inventei que era capaz.
Eu achei que fosse. Achei que estar com ele jamais me traria qualquer recordação dolorosa do meu passado. Mas, talvez por conta da emoção e pela notícia de que Simon finalmente poderia ser encontrado, minha mente não conseguiu relaxar completamente e me levou para ele de novo. Como toda maldita vez que tentei fugir e o monstro dos meus pesadelos tomou minha mente, meu corpo como se fosse dele.
-Parece que a polícia tem uma pista de onde Simon está. -Comento, ao invés de responder sua pergunta.
Minha mãe fica pálida. Até mesmo o batom vermelho em seus lábios se tornam frios. Os olhos opacos, sem brilho.
-Isso... É verdade? Vão pegá-lo? -Ela diz, completamente em choque.
-Não sei. -Admito, querendo não achar que sim nem que não. -Mas vão atrás para saber se a pista é verdadeira.
Ela me olha e controla a respiração, mas fica inqueita e se levanta da cadeira.
-E Finn vai continuar aqui com você? Não vai atrás de pegar Simon ele mesmo?
Foram exatamente essas as perguntas que me fiz quando fiquei sabendo e até agora não acredito que Finn realmente pretende ficar.
-Ele disse que não vai embora agora. -Digo e ela se surpreende.
-Temos que tomar cuidado então. Hoje farei o jantar para Victoria então presumo que você não irá, já que Finn está aqui.
Tento disfarçar, mas ainda demonstro o alívio que isso me causa pois se Finn não estivesse aqui, realmente eu seria obrigada a encarar o que ainda não estou pronta. Victoria, seu bebê... O bebê que deveria ser meu.
-Finn não pode ficar sabendo. Você não contou nada a ele, contou? -Mamãe volta a falar quando não respondo.
-Não contei, mas odeio ter que ficar mentindo. -Levanto-me, me sentindo desconfortável ao me lembrar da nossa farsa. -Finn tem direito de saber, a bebê será...
-Ela não será nada dele, Millie. Eu vou dizer isso quantas vezes forem precisas para que você entenda. -Ela vem até mim e me segura suavemente pelos braços. -Esse bebê é meu, querida. Nosso. Não daquela família e não importa o que laços de sangue signifiquem.
Concordo com a cabeça, mesmo com tudo em mim me pedindo para ter coragem para enfrenta-la. De dizer que embora ela tenha o direito de adotar a bebê, também é nosso dever dizermos a verdade. Só que ao mesmo tempo consigo entende-la. Sei que a conversa que tive com Finn não foi capaz de faze-lo parar de querer vingança e depois do que ele viu de mim na noite passada, eu duvido que ainda não queira matar Simon. E se ele é capaz de fazer isso... Porque não poderia ser capaz de usar a bebezinha para tentar talvez fazer algo contra o pai dela?
-Diga a Victória que desejei feliz aniversário e que sinto muito por não poder ir ao jantar. -Falo, ao me despedir dela na porta.
-O jantar não será o mesmo sem você, mas sim, eu digo. -Ela me abraça, demoradamente como sempre. -E espero que esteja realmente tudo bem. Tanto em relação ao teste quanto a presença de Finn por aqui.
Apenas abro um sorriso e assinto, sem saber e exatamente ainda como me sinto.
Na saída da clínica encontro Mike que também está de saída.
-Esta indo para casa? Posso te dar uma carona. -Oferece gentilmente depois de me dar um abraço.
Penso em negar, pesando no turno agitado que acabei de ter no petshop e no fato de estar com a blusa toda molhada do banho nos animais, mas Mike está tão sorridente e alegre que aceito sua oferta.
Claro que está feliz. Desde a notícia de que será pai ele não tira o sorriso do rosto, o que apenas me faz me sentir pior em ficar desconfortável no meio de tanta felicidade.
-Sua mãe disse que você não poderá ir ao jantar de Vicky. É uma pena. -Comenta ele quando para o carro em frente ao meu prédio.
Não me escapa a forma carinhosa dele ao se referir a provedora de seu filho e logo uma fisgada incomoda de ciúmes me atinge. Talvez a Dra. Green tenha um pouco de razão no final das contas. Estou mesmo com ciúmes.
-Sinto muito, mas não poderei. Fica para uma próxima.
Ele sorri, não menos feliz, e beija minha testa enquanto desço do carro.
A primeira coisa da qual me dou conta é de que o carro de Finn não está parado no estacionamento como quando eu vi essa manhã antes de sair para a faculdade.
Desembolso o celular e ligo para ele enquanto subi as escadas me sentindo, além de cansada, um pouco preocupada com seu sumiço porque não tem qualquer motivo para que Finn saia do meu apartamento.
Como ele não me atende e Sadie está no trabalho, vou direto para minha casa, recebendo beijos molhados de Winnie em meus pés assim que retiro os sapatos.
-Para onde seu papai foi, hein? Você deveria me dizer. -Brinco, enquanto afago suas orelhas e ela late nervosa, como se pudesse me responder.
Rio de imaginar winnie como sendo nossa filha, mas o sorriso desaparece ao me dar conta de que estou novamente com essas questões em minha mente.
Eu não quero ter filhos.
É uma decisão que já tomei a bastante tempo e devaneios com os quais tenho sonhado ultimamente não podem apagar o peso dessa decisão.
Vou para o banho e demoro propositalmente para evitar me encher de preocupação. Quando saio do banheiro, enxugando meus cabelos molhados em na toalha, escuto o barulho de minha porta de fechando.
-Para onde você foi?
A pergunta fica muda quando vejo Finn entrando em meu apartamento, completamente vestido em um terno profissional e alinhado, totalmente diferente do homem despojado que deixei sobre a cama de manhã.
-Oi. -Ele dá um sorriso e pela cara surpresa que esboço, olha para si mesmo e percebe porque estou sem reação. -Acabei de me encontrar com um sócio daquela empresa que te falei lembra? Eles querem abrir uma indústria em Miracle e justamente quando estou na cidade, por uma coincidência, a secretária do CEO quis me ver.
Ele vem até mim e me dá um beijo rápido nos lábios, para o qual eu não reajo, depois franze o cenho.
-Que foi? Esqueceu de como eu sou quando estou à trabalho? -Pergunta, com uma sobrancelha arqueada.
-Não... É só que...
Me calo, reprimindo a vontade de dizer o quanto gostei de ve-lo entrar por aquela porta como se tivesse realmente acabado de chegar de um dia de trabalho. Reprimindo também o desejo de que isso fosse verdade e de que significasse que seria sempre assim. Que Finn tivesse um emprego normal. Que chegaria cansado e pensando em nada além de me beijar para aliviar o estresse. Só que não é essa a realidade. Finn não mora aqui. E seu emprego passa muito longe de ser considerado normal.
-Esta tão bonito. -Digo isso, pois não deixa de ser verdade. Aliso delicadamente a gravata cinza em volta de seu pescoço. -Como foi a reunião?
Ele estreita os olhos desconfiado da minha mudança de assunto, mas parece esquecer disso quando começa a falar sobre o projeto da tal indústria enquanto vou para a cozinha atrás de algo para fazer para nosso jantar.
-Não se dê ao trabalho, nós não iremos jantar aqui. -Ele me para dando a volta no balcão para me encurralar contra a bancada.
-Não? Iremos jantar fora? -Indago, entusiasmada com a ideia e envolvo meus braços ao redor de seu pescoço.
Finn nega com a cabeça e beija suavemente a lateral do meu rosto me arracando um arrepio quando sussurra em meu ouvido.
-Vamos fazer uma viagem.
Imediamente arregalo os olhos e o afasto pensando se não é algum tipo de brincadeira.
-Que foi? Hoje é sexta feira, temos o final de semana...
-Finn. Eu não posso viajar, tenho que...
-Você pode me escutar, por favor? -Ele me cala com um dedo e eu assinto. -O cara que acabei de conhecer é dono de uma pousada em Meen Street Beach, fica um pouco longe daqui, mas ele também me cedeu um helicóptero, podemos ir e voltar no dia seguinte, além disso...
-Meen Street Beach? -Pergunto incrédula, tremendo inteiramente nervosa. -Isso significa que...
-Sim. -Finn sorri. Um sorriso lindo e me beija. -Eu vou te levar para conhecer o mar.
--
As próximas horas depois disso foram as mais loucas e as melhores da minha vida. Finn e eu não separamos nada além de dois pares de roupas em sua mala, alguns itens pessoais e embarcamos na aventura de voar num helicóptero até Menn Street Beach.
Foi aterrorizante. Não do tipo de medo que trava, nem me causa pânico, pelo contrário. A adrenalina de sentir quando a grande máquina levantou vôo foi tão intensa que tive grandes crises de riso.
Finn apertou minha mão durante todo o trajeto. Já estava acostumado pois já tinha feito aquilo mil vezes antes então sua segurança me fez me sentir muito mais tranquila.
Olhar a cidade inteira de cima foi umas das melhores sensações que tive na vida. Tudo era brilhante pelas luzes que enfeitavam a noite e nem mesmo o barulho ensurdecedor, ainda que abafado pelos fones protetores, foi capaz de me fazer gostar menos do turbilhão de emoções que me invadiram.
A pousada do tal sócio de Finn era uma coisa de outro mundo. O helicóptero pousou bem em cima do heliporto do local localizado acima de uma grade colina de onde vi a grande estrutura.
Assim que desci, senti tudo o que Finn falou sobre estar perto do mar, ainda que eu não pudesse vê-lo de onde estávamos por ser noite. O vento não era gelado como na cidade. Era umido. Quente e abafado. O cheiro... Uma mistura de folhas, areia e sal. O que me dizia que esse era o cheiro que o mar deveria ter.
Eu não aguentei a ansiedade. Assim que nos instalamos na suite enorme, implorei para que Finn me levasse para conhecer o mar.
-Esta escuro lá fora, meu anjo. De manhã...
-De manhã vai demorar muito. Eu quero agora. Eu preciso agora! -Falei, agarrando suas mãos exageradamente em desespero.
Finn quis me contrariar, mas bastou que eu lhe prometesse algumas safadezas quando voltássemos que ele cedeu rapidamente.
Mal pude me conter de tanta felicidade ao sentir meus pés se afundando na areia branquinha e gelada. Estava escuro, mas eu ainda assim o vi. O mar. E era tão lindo que perdi o fôlego.
As ondas eram violentas quebrando sobre as pedras. Devido a lua cheia, Finn falou que a maré estava alta e que não seria seguro entrarmos na água pois corria o risco de sermos arrastado pela correnteza.
Ainda que eu não pudesse de fato entrar, eu chorei ao sentir as penas espumas que conseguiam alcançar meus pés.
Finn me abraçou por trás e por quase uma hora inteira eu fiquei sem palavras. Apenas congelada naquele lugar, respirando aquele ar tão diferente de todos os lugares que já ti na ido na vida.
Foi ali que esqueci sobre o fato de não ter passado na entrevista. Esqueci Simon. Cada coisinha ruim que eu sentia se foi. Mesmo que eu soubesse que não era para sempre. O instante dentro de mim foi infinito.
Voltamos para a pousada e eu cumpri minhas promessas, não que fosse um trabalho enorme, mas fizemos amor na banheira da suite, na cama sobre os lençóis limpinhos do lugar. Na varanda. E terminei com o gozo de Finn derramado sobre meus seios depois do sexo oral que o fiz antes de dormirmos.
Acordei impossivelmente animada quando ele me despertou me pegando no colo e me levando para o banheiro. Não houve sexo daquela vez, mas Finn ainda assim me acariciou inteira antes de me vestir com um biquíni que ele havia comprado em algum momento durante a tarde de ontem. Branco como minha pele com linhas finas nas laterais cor de rosa.
Agora, nesse exato momento, me encontro roendo as unhas diante do mar azul maravilhoso e protegida pela barraca que Finn alugou enquanto ele prende em meu pé a tornozeleira que está acoplada a grande prancha vermelha fincada na areia.
-Finn, eu não tenho certeza se...
-Ei. Relaxa. Não vamos fazer manobras radicais, vou estar com você o tempo todo, está bem? -Ele tenta me acalmar e sorri me passando confiança.
Ele está tão lindo e diferente que esqueço do medo apenas para tentar provar um pouquinho do que foi a vida do meu marido antes de mim. Porque agora, olhando para ele sem camisa e com o short preto de banho, com o colar de sol pendurado em seu peito e os cabelos revoltos acompanhando o vento, eu me quase me lembro de como ele era antes de ter sido destruído por Stoney Fork.
A lembrança é pequena pois o estrago foi rápido. Mas vejo que uma parte, mesmo que minúscula, daquele garoto que conheci e que se passou por Chris, ainda existe dentro dele.
Essa miragem só foi quebrada nessa viagem algumas vezes quando o vi se esconder para falar com Jack ao telefone. Na noite passada depois que fizemos todas as rodadas de sexo imaginei que ele tinha se levantado da cama para atender a uma ligação e pela forma como voltou, frustrado e furioso enquanto eu fingia dormir, me disse que Simon ainda não foi pego.
Por sorte ou por muito esforço, ele não está demonstrando isso agora e fico feliz que sua raiva violenta tenha cessado. Por isso, enfrento meu medo e pego sua mão quando ele me guia para o mar levando a prancha pesada embaixo do braço.
Diferente da noite passada, agora eu sinto completamente o mar. A água gelada e instável. O vento forte e quente, salgado arrastando tudo o que vê pela frente. E eu amo isso.
Enquanto sinto meus pés afundando na areia não consigo parar de sorrir. A água vai se tornando mais gelada subindo por minha pele até que chegamos a um ponto onde as pequenas ondas começam.
-Deite-se sobre a prancha e use as mãos para se locomover pela água. -Finn explica, mas eu só consigo reparar no quanto ele é perfeito contra a luz do sol. -Você está prestando atenção meu anjo?
Rio sacudindo a cabeça e assinto.
-Me deitar sobre a prancha? Assim?
Na primeira tentativa, eu escorrego de cima do pedaço liso de madeira e Finn gargalha ao ter que me segurar para que eu não me afogue.
-Assim! -Ele me pega pela cintura e com uma maestria absurda me coloca por cima da prancha vermelha. -Sua bunda está incrível nesse biquíni.
Minhas bochechas queimam e meus pelos se eriçam quando ele descaradamente me dá uma mordidinha sutil sobre o bumbum sem se importar de estarmos sendo vistos da areia.
Minha primeira tentativa de boiar sobre a água é um tremendo fracasso quando tomo um caldo da onda. Finn me ampara rapidamente, todo preocupado, mas logo relaxa quando me vê rindo, adorando o que para mim, é apenas uma brincadeira.
Só na terceira vez é que consigo permanecer deitada na prancha por tempo o suficiente para driblar uma única onda baixa. Subindo e descendo usando as mãos de apoio.
-Isso. Está indo muito bem para quem nunca nem viu o mar na vida. -Finn me parabeniza, me ajudando a sair de cima da prancha e assim que me vejo livre, me penduro em seu pescoço.
-Eu... Não sei como agradecer por isso. É um sonho, eu não...
Finn cala o agradecimento extenso que planejei ao beijar minha boca. A água ao nosso redor nos envolve em movimento instáveis e lentos enquanto me entrego a esse momento que acho que jamais serei capaz de esquecer.
Afasto meus lábios ainda doloridos depois de nossa noite e o encaro. Tão lindo e natural, a pele salgada cheia de gotículas de água e desejo mais do que tudo guardar essa imagem para sempre em minha memória.
-Eu te amo. -Revelo o óbvio decidindo algo que me vem a mente de repente. -Quero casar com você novamente.
Ele precisa me segurar com força para não me deixar cair quando me escuta. Se equilibrando na água, completamente surpreso.
-O que...
-Quero me casar com você de novo. -Repito, cheia de planos. -Numa praia. Com tudo o que temos direito. Nossos amigos, família. Tudo diferente do que foi da última vez. Um casamento... De verdade.
Percebo meu pequeno erro quando ele franze os lábios ficando tenso. Finn ainda de culpa pelos aspectos que nos levaram a nos casar da primeira vez.
-Não me arrependo de ter me casado com você da primeira vez. -Digo para tranquiliza-lo, afastando o cabelo molhado de sua testa. -Apenas acho que precisamos de outra experiência. Uma mais... Feliz.
E isso faz parte do futuro utópico que imagino. Dos planos que, embora pareçam distantes, são tudo no que posso me apegar.
-Esta me pedindo em casamento? -Finn sorri, parecendo mais leve. -Sem acordos e sem restrições?
Sorrio. Feliz que ele tenha entendido.
-Sem nada além de nós dois. Para sempre.
Encosto nossas testas e nos beijamos novamente no meio do mar. Selando o que imagino ser o começo do melhor sonho que estou vivendo.
Depois de me sentir ofegante pelo beijo, Finn me leva de volta para a barraca e o percebo louco de vontade de estar sozinho no mar. O deixo ir e aprecio o que sempre sonhei em ver.
Ele prende a guia no tornozelo e dá uma corridinha rápida na areia com a prancha em direção as ondas. Me perco na visão. Em como ele parece dominar rapidamente a prancha ao se equilibrar perfeitamente em cima dela. Não é uma surpresa. Finn é assim. Ele domina tudo ao seu redor. As vezes faz coisas sem pensar em si mesmo, porque está sempre pensando nos outros. Em mim acima de tudo.
Duvido que as ondas daqui sejam iguais as da Califórnia, mas ainda assim ele comanda o mar e faz isso como se fosse brincadeira de criança, pegando onda atrás de onda sem nunca cair. Como se nunca tivesse saído da água para estar em Stoney Fork. A água é o seu verdadeiro lar.
É impossível não pensar em como seria se ele realmente nunca tivesse saído de Malibu. Certamente não nos conheceríamos, mas ele seria tão mais leve e feliz longe de toda a confusão das nossas vidas. É isso que vejo nele agora. Leveza e felicidade. E ainda que não dure muito, rezo para que seja suficiente para que ele jamais esqueça de quem é de verdade.
Almoçamos em um quiosque na praia mesmo. Finn pede camarões empanados e sorri o tempo inteiro como se fora daqui não tivesse uma cidade inteira para levar nas costas.
Só começo a me sentir triste quando o dia começa a desaparecer e me recordo de que preciso voltar para casa. Pedi para Sadie dar uma olhada em Winnie, mas não quero abusar e Finn precisa também devolver o helicóptero ao seu dono.
Ele percebe minha melancolia enquanto arrumamos a mala.
-Passou rápido eu sei, mas podemos vir aqui sempre que você tiver um tempo livre e eu estiver na cidade. -Ele promete, ao segurar minha mão ao sairmos da pousada.
-Isso quer dizer que você já pretende ir embora? -Indago, receosa.
Ele me para e me faz encara-lo ficando na minha frente.
-Isso quer dizer que vou voltar. -Diz, com confiança. -Não posso ficar além de mais alguns dias...
-Precisam de você. Eu sei.
Eu também preciso.
É o que quero dizer, mas não digo. Não posso monopolizar seu tempo inteiro apenas porque morro de saudade quando ele vai embora, só que agora, com as lembranças que acabou de implantar em minha mente será cada vez mais difícil ficar longe dele.
Finn não larga minha mão nenhum segundo sequer quando voamos de volta, mas sua proximidade não mascara o que pouco a pouco vai acontecendo. A expressão dele se torna mais séria, como se tivesse deixado o garoto divertido na praia e voltado a ser o homem centrado que tem que ser.
Sei que ele está perturbado com o fato de que ainda não pegaram Simon. Também estou, embora tente não pensar nisso. Só quero que essa parte do pesadelo acabe logo de uma vez. Que o maldito monstro seja finalmente capturado e que Finn e eu possamos viver em paz sem a sombra dele se infiltrando em cada momento em que não deve.
Chego no apartamento com um misto de exaustão e leveza. Finn vai para a cozinha preparar algo para nosso jantar enquanto vou tomar banho para tentar desfazer os nós que se formaram em meu cabelo devido o sol e a água salgada.
De dentro do box escuto meu telefone tocar no quarto eu ignoro achando que não deve ser importante, mas quando toca pela terceira vez seguida e eu ainda me encontro com a cabeça cheia de shampoo, eu grito:
-Finn? Pode atender meu telefone, por favor?
Escuto ele dizendo um "sim" da cozinha e seus passos retornando ao meu quarto, mas nada do "Alô" que ele fala sou capaz de ouvir.
-Quem é? -Grito de novo, já saindo atrás da toalha.
-É... Hum... Nada. Ponha uma roupa. -Ele pede de um jeito estranho que me deixa confusa.
Pego o roupão e apenas enrolo a toalha em meu cabelo e saio do banheiro. Encontro Finn de costas para mim ainda segurando meu telefone.
-Finn, quem era? -Pergunto novamente, vendo que ele nem se mexe com minha presença.
Quando não faz de novo eu vou até ele e retiro abruptamente meu celular de suas mãos, querendo ver por mim mesma o que diabos está assustando-o.
-Não, meu anjo, espere. -Ele tenta tirar o celular de mim, angustiado.
Mas ao ver o número conhecido da clínica, meu coração se aperta e eu não tenho coragem de retornar a ligação.
-O que eles queriam? -Indago, lutando contra o nó que se forma em minha garganta. -Papai piorou?
A expressão de Finn não é o bastante para que eu obtenha resposta, mas tampouco tenho coragem de completar a ligação para ouvir por conta própria.
-Me diga! -Exijo, mediante seu silêncio torturante.
Finn respira fundo, tenta chegar perto de mim mas eu o detenho quando percebo o conflito de sentimentos em seus olhos. Ele parece com raiva e ao mesmo tempo... Com pena. Com pena de mim.
-Foi uma complicação. Tentaram de tudo, mas...
-Ele morreu? -Uma voz diz, não sei nem se é a minha ou se é algo que vem da minha cabeça.
Finn passa os dedos entre os cabelos atordoado.
-Não conseguiram conter um sangramento interno e...
-Ele morreu? -Dessa vez sim. Reconheço minha voz e ela é horrivel. Se torna pior com as palavras.
Ele suspira pesadamente e assente. Decretando o que no fundo eu já sabia.
-Eu sinto muito.
Não me dou conta de quando ele vem e me abraça pois de repente, com a confirmação, eu não sinto mais nada. Nem dor nem tristeza. Apenas nada.
-Seu pai conseguiu. -Murmuro, me sentindo anestesiada enquanto Finn tenta me passar seu toque quente. -Ele disse que meu pai morreria e ele morreu. Assim como bem queria.
Algo me diz que não é justo dizer isso a Finn, porque não é culpa dele, mas é quase impossível não pensar no que Eric morreu dizendo. Morreu jurando que meu pai o segueria.
-Sinto muito. -Finn volta a dizer. Porque na verdade não sabe o que dizer.
Assinto, estranhamente calma, mas sentindo o efeito ao precisar me sentar com urgência na cama.
Não carrego uma só lembrança boa de papai. Nenhuma sequer pela qual eu me recorde e sofra como deveria ao perder meu pai. Tudo o que posso pensar agora são nos anos que passei cuidando dele. Implorando uma migalha de seu amor quando tudo o que recebi foi desprezo e uma violência totalmente sem sentido.
Mas também, do fundo da minha mente, vem a voz cálida de May num sussurro.
"Seu pai a ama. Não a merece, mas a ama. Seja melhor do que ele e não o abandone. Cuide dele. Faça sua parte."
E foi só por causa dela que não desisti. Aprendi a lidar com a dor que ele me causava tentando entender o homem quebrado deitado naquela poltrona velha enquanto parecia sobre seus pecados. Pois disso tenho certeza. .eu pai foi um homem horrível, mas pagou por cada erro. Sofreu o pão que o diabo amassou.
Jamais disse que me amava, mas tentou ao seu modo estranho, me proteger quando Matheo nos ameaçou.
E por isso preciso dizer o adeus que venho ensaiando desde que Eric ordenou que o matassem. Esse momento finalmente chegou e eu preciso cumprir o restante da missão que me encubi ao longo de todos esses anos.
Não abandona-lo.
-Vou voltar com você. -As palavras saem da minha boca num caminho sem volta.
Finn franze o cenho e se afasta de mim, achando que ouviu errado, mas sei que ouviu perfeitamente bem.
-O que? Você não...
-Vou voltar com você.
E está tomada minha decisão. Estarei de volta a cidade das trevas. O lugar que me tirou tudo aos poucos. Minha casa, minha dignidade, minha paz, minha sanidade, minha mãe, May, Romeo e agora meu pai.
Eu não posso perder mais nada e isso inclui a única pessoa que temo perder para aquela maldita cidade novamente. O homem que está na minha frente e que diz, mesmo sem falar nada, que terei que passar por cima dele para voltar a Stoney Fork.
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