Normalmente Geralt não iria dar muita atenção às discussões do bardo na taverna durante ou depois de uma apresentação. Geralt iria apenas se sentar em seu cantinho escuro com sua cerveja ruim e apreciar o doce som da voz de seu bardo cantando para homens bêbados e mulheres assanhadas doidas para arrastar o bardo bonito para suas camas frias.
Agora, tantos anos depois de Jaskier começar a cantar sobre ele, sobre bruxos heroicos e valentes, cavaleiros em armaduras salvando princesas de monstros horrendos e ganhando sua eterna gratidão. Muitas daquelas coisas nunca sequer aconteceram, mas havia um grão de verdade nas muitas baladas que Jaskier cantava.
Por causa delas Geralt não era mais expulso das cidades por simplesmente ser quem ele era, as pessoas não iriam cobrar mais preços absurdos em seus produtos apenas por ele ser um bruxo, seus serviços seriam devidamente pagos após uma pequena conversa e uma boa bebida compartilhada no bar, as pessoas falariam com ele como se ele fosse uma pessoa, não o monstro que eles viam antes, e definitivamente não como o açougueiro que um dia ele foi tão conhecido.
Mas é claro que, a compreensão não foi absorvida por todos.
O som alto de um soco batendo na mesa de madeira chamou atenção para um homem, seu rosto vermelho, olhos inchados, claramente bêbado. Geralt segurou sua cerveja com mais força.
“Chega de cantar sobre o maldito mutante, bardo!” Ele gritou, socando a mesa mais uma vez. Ele olhou para Geralt incisivamente. “A espécie dele não é bem vinda aqui.”
Geralt bebeu sua cerveja, querendo pelo menos terminar a bebida antes de ter que se retirar para o quarto. Já estava pago, ele não ia desperdiçar a moeda do bardo indo embora sem um último gole.
Antes que Geralt pudesse se levantar, no entanto, Jaskier pulou em uma mesa, tocando quase violentamente as cordas do alaúde para chamar a atenção do povo, parando com um exagerado floreio quando todos os olhos estavam sob ele.
“Ora meu bom senhor, não vejo do que está a falar! Tudo o que vejo em nosso adorável bruxo é um homem bebendo uma boa cerveja no canto descansando da longa viagem.”
“É um monstro disfarçado de homem! Um mutante, um açougueiro!”
“Agora, agora. Não há necessidade de se alterar!” Jaskier falava melodicamente, começando a dedilhar o alaúde em uma musica animada e divertida. “Cuidado, você pode tropeçar, com toda essa pança você vai se machucar!”
Geralt bufou, e a maioria dos bêbados riram, o homem parecia mais vermelho agora, mas de raiva e vergonha. Jaskier sorriu, então continuou.
“Ora meu amigo, não importa o que você acha! O Lobo Branco em sua mesa, só quer beber sua cachaça, seu um grande idiota enchendo sua paciência.”
Os homens uivavam de rir agora, e aquele recebendo toda a atenção se levantou como um furacão fora de controle, Geralt ficou de olho nele, esperando para intervir se ele tentasse fazer alguma coisa com o bardo ousado.
“Cale a boca bardo, estou avisando...”
“Agora está me ameaçando! Oh um pobre bardo que passa a vida entretendo, cantando sobre um Bruxo que mata monstros e vive caçando, salvando a vida de pobres homens bêbados e acabados, que passam toda a vida reclamando.”
Essa parecia ser a gota d’água para o homem, quando ele deu o primeiro passo em direção a Jaskier, Geralt se levantou, e todos os olhares foram do bardo exultante, para o bruxo carrancudo. Até o homem parou.
“Jaskier, vamos.” Foi a única coisa que ele disse enquanto seguia para a escada que dava para os quartos no segundo andar. Seus sentidos aguçados para qualquer tentativa de o homem ainda tentar algo contra eles.
Jaskier se curvou para sua pequena plateia, pegando o chapéu cheio de moedas e guardando todas em seu saco, distraído para público que começava a se ocupar com suas bebidas e petiscos, conversas animadas e cantorias do pequeno repertório da noite.
Geralt já estava quase na frente da escada quando ouviu um suspiro, ele se virou para trás no momento que Jaskier, ainda em cima da mesa, se colocou a sua frente. Algo bateu na cabeça do bardo e ele foi jogado para trás, tropeçando na borda e apenas não caindo por Geralt conseguir se virar a tempo de segura-lo. O alaúde não teve tanta sorte.
O som que o instrumento fez ao cair no chão chamou a atenção de volta para os dois amigos mais uma vez. Geralt sentando cuidadosamente o bardo na mesa enquanto seu coração parecia pronto para sair pela boca, Jaskier foi atingido na cabeça, poderia ser qualquer coisa, ele poderia, ele pode estar...
“Ugh... Geralt? Porra, o que?” Ele estava bem, ele estava bem, havia apenas um pequeno corte acima da sobrancelha sangrando lentamente, onde Geralt passou o polegar e segurou o bardo parado quando ele sibilou e tentou se afastar. "O que me atingiu?"
"A porra de uma caneca, você é louco? Ia atingir minha armadura, Jaskier, uma caneca, pelos deuses!"
"Hey! Não brigue com um homem ferido, meu corpo se moveu sozinho, eu não vi o que ele estava jogando."
"Mais um motivo!"
Geralt rosnou, desviando o olhar do bardo parecendo muito expressivamente insultado para encarar o homem que tinha começado toda a comoção.
Jaskier parou de reclamar no momento que viu o bruxo encarar o homem que havia jogado a maldita caneca, olhos estreitos e corpo tenso, ele parecia absolutamente assassino e Jaskier quase sentiu um pouco de medo, quase.
Geralt deu o primeiro passo e Jaskier se jogou contra ele, envolvendo-o em seus braços e ignorando a vertigem que o movimento rápido lhe deu, respirando fundo pelo nariz e expirando pela boca ele ignorou o estômago se contorcendo na barriga.
Geralt parou, mas sua mão ainda estava no punho da espada.
"Vamos Geralt, você não é assim."
"Ele machucou você!"
"Sim, mas só porque eu me coloquei na frente. Agora vamos, eu gostaria de deitar um pouco e dormir, você pode me ajudar? Acho que tem sangue no meu olho." Jaskier estava usando sua melhor arma no momento, sua própria condição, para fazer Geralt se concentrar em outra coisa além da raiva, não era o melhor, ele sentia como se estivesse manipulando o bruxo, mas era melhor do que deixar Geralt castrar o homem, ou pior.
Geralt o segurou de volta, olhando-o com preocupação e vendo que realmente havia descido o sangue para cobrir o olho do bardo, suspirando exasperado e limpando o máximo possível com a mão, ele finalmente cedeu.
Mais ou menos.
Sem solta-lo, Geralt se virou para o outro homem uma última vez e Jaskier quase temeu que Geralt ainda fosse atacá-lo.
"Se eu vir você de novo até a hora de ir embora, eu vou te mostrar o verdadeiro monstro que você vê em mim." O bruxo rosnou e Jaskier suspirou aliviado quando o homem tropeçou porta a fora. Alguém se aproximou, um menino, provavelmente filho do estalajadeiro, ele tinha o alaúde de Jaskier nas mãos e Geralt o pegou gentilmente. Mas foi Jaskier quem agradeceu enquanto o bruxo o guiava escadas acima.
"Meu herói." Jaskier murmurou quando Geralt o ajudou a se sentar na cama, mesmo que ele não precisasse. Era apenas um pequeno corte, e sua cabeça doía horrivelmente, mas não era nada para se preocupar. Ainda assim, Geralt estava ajoelhando-se bem a sua frente, estendendo uma mão para embalar gentilmente o rosto do bardo. E Jaskier se derreteu nele.
"Tive medo, por um momento." Geralt confessou, levando um polegar até o ferimento dolorido. "Não vi o que ele jogou, mas você estava caindo, e eu pensei… achei que você…"
"Me desculpa amor… eu não queria assustar você."
"Eu sei."
"Mas também não podia deixar um idiota aleatório tentar machucar você."
"Jask… era uma caneca."
"E poderia ser uma adaga, uma cadeira, ou uma pedra, ou alguma coisa que poderia ferir você de verdade, eu… eu não pensei, meu corpo se mexeu sozinho."
"Nunca mais faça isso."
"Você sabe que não posso prometer isso Geralt...” Jaskier falou suavemente, levando suas mãos ao rosto do bruxo, olhando-o com ternura e sorrindo gentilmente para tentar tirar o medo e o desespero dos olhos de Geralt.
“Jaskier, por favor...”
“Querido coração, eu já dei a você meu amor, meu coração, minha alma, e daria minha vida também sem pensar duas vezes se isso quer dizer que você ficaria bem. Não brigue comigo por isso amor, eu sei que você faria a mesma coisa por mim.”
Era uma verdade crua e aterrorizante para ambos, e nenhum dos dois gostaria de lidar com isso em qualquer momento que fosse. Geralt daria sua vida por Jaskier, e Jaskier faria o mesmo pelo seu bruxo, não havia mistério algum nisso.
Geralt suspirou, não era cansado ou resignado, era de um sofrimento profundo enquanto aceitava as palavras de Jaskier. Levantando-se e deixando um beijo na testa de Jaskier ele se afastou para olhar em seus olhos.
“Só porque você diz que não há nada a fazer sobre isso, não quer dizer que deixarei de tentar fazer alguma coisa sobre isso.” Geralt resmungou e o beijou novamente. Jaskier riu e assentiu, estava tudo bem assim por enquanto.
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