- Lancey Lance... – O cubano murmurou algo e abraçou seu travesseiro. – Lance. – Não fez nada. – Lance, acorda! – Sentiu um tapa na sua cabeça e abriu os olhos, assustado. Levantou seu tronco, se sentando na cama e coçando sua cabeça no local que bateram. Piscou os olhos e encontrou Pidge rindo de si, o que o fez ficar com raiva.
- O que você quer, seu anão de jardim? – Deitou sua cabeça no colchão novamente e fechou os olhos.
- Ah, eu não quero nada de você. – Falou enquanto olhava suas unhas. – Mas o Hunk te chamou ‘pra vocês fazerem a faxina. – Olhou para o moreno que abriu os olhos se supetão, saindo da cama, apressado.
- Por que não me chamou mais cedo? – Perguntou, procurando alguma blusa no armário. A garota fez uma cara de indignação.
- Eu ‘tô tentando te acordar faz vinte e cinco minutos. – Disse e acariciou Cielo. – Sério, garota, como você gosta desse cara? – Apontou para o rapaz que vestia alguma blusa qualquer e tirando o seu calção-pijama. Sim, ele ficava só de cueca na frente da Pidge. Qual o problema? Eles eram quase irmãos! Se conheciam há anos! Até o próprio Lance já a viu só de sutiã e calcinha. A loira percebeu que a pata da gata estava enfaixada e se virou para o latino. – O que aconteceu com a perna dela?
- Fraturou a metade do osso. Mas dá ‘pra voltar ao normal. Só tem que esperar algum tempo. – A respondeu, arrumando seu cabelo. – ‘Cê vai ‘pra a convenção de nerds hoje? – Encarou a garota que estava com os olhos brilhando.
- Sim! – Pôs as mãos na face e sorriu, mostrando os dentes. – Eu ainda não acredito que eu vou ‘pra lá! – Deixou de sorrir e ficou com uma feição preocupada, o que fez Lance arquear a sobrancelha. – Como eu vou ‘pra lá? – Deixou de olhar para o chão para encarar o amigo, sorrindo ladino. – Laaance. Você pode-
- Não. – A cortou, dobrando seu pijama.
- Mas você nem deixou eu terminar!
- Não preciso se já sei o que você quer. Então, minha resposta é não.
- Vai, Lance! Por favor! Quantas vezes eu já te ajudei em algo que ‘cê precisava? -Sua voz era de desesperada, mas o latino apenas a olhou, com a sobrancelha ainda arqueada.
- Posso contar nos dedos quantas vezes você já me ajudou. E foram menos que dez em quase quatro anos.
- Ah, Lance, fala sério. Eu já te ajudei mais de mil vezes no colegial quando você precisava de ajuda em química, física e matemática.
- Nem vem! O Keith me ajudava em matemática! – A italiana arregalou os olhos e entreabriu a boca e o moreno apenas percebeu o que disse ao ver sua reação. Colocou a mão na frente dos olhos e suspirou. – Me desculpe. Sim, eu te levo lá. Só vou dizer isso ao Hunk. – Disse, abrindo a porta, mas parou ao sentir algo roçar em suas pernas e olhou para baixo. – Vem, Cielo. – A tirou do chão, a colocando no colo. – Vou te dar comida. – E saiu do quarto, deixando a loira sozinha. A menina suspirou e se levantou da cama, indo para a cozinha.
Ela desceu as escadas e encontrou Lance e Hunk conversando e rindo que nem retardados e a europeia revirou os olhos e foi para perto deles. O maior olhou para a pequena e sorriu, pegando um prato e dando a ela.
- E ‘aê, Pidge. Eu ainda não acredito que você conseguiu tirara esse cara da cama. – O cubano fez pose de indignado e cruzou os braços logo depois.
- Isso é um ultraje! Eu acordo muito cedo, se você quer saber!
- É, mas ninguém quer saber. – A mais baixa falou, botando o prato na mesa e pegando um pote, colocando cereal com leite e pegando sua xícara de café, bebendo um gole.
- Valeu, Pidge, sua sinceridade é comovente, de verdade. – Disse, mastigando seus ovos com bacon e bebia de seu achocolatado.
- Então, Lance, ‘cê realmente vai levar ela lá no fim do mundo? Que coragem, cara. – Hunk falava, enquanto tomava seu café com leite.
- É, né? Fazer o que? De que horas eu tenho que te levar lá, nanica? – Olhou para a loira, que o fuzilou com o olhar.
- Eu não sou nanica.
- Não, eu que sou alto demais. – Bebeu um pouco de sua bebida.
- Deve ser. Você parece um flamingo. – Ela parou de olha-lo.
- Obrigado. Flamingos são super glamorosos. – A olhou de relance, sorrindo convencido. A menina abriu a boca para falar algo, mas a fechou, sem dizer nada e abanado a mão num intuito de dizer “esquece”.
- Eu tenho que sair de oito horas, ‘pra chegar lá de oito e cinquenta, ‘pra comprar o ingresso de nove e cinco, ‘pra entrar no lugar as dez horas.
- É por isso que você é de exatas. – O mais velho revirou os olhos e o samoano riu do que ele disse. – Mas você não disse onde esse negócio é.
- Ah, sim, é em Orange. – O cubano olhou para o relógio e suspirou. Já eram sete e quarente e oito. Se levantou da cadeira e foi escovar seus dentes, sendo seguido pela garota, que já estava pronta desde as cinco e cinquenta da manhã. Terminaram de se arrumar e foram para o carro do latino. Deram tchau a Hunk e saíram da garagem. - Oh, Lance, espera! Eu tenho que fazer uma coisa. – A mesma abriu a janela e fez um cone com as mãos. – Hunk, não esquece de limpar atrás do meu computador! E obrigada por me deixar ir ‘pra lá! Tchau! – Viram o maior fechar a cara e começaram a rir. Pidge fechou a janela e conversaram a viagem toda, falando sobre a família, sobre a universidade e sobre os trabalhos – claro, com Lance escondendo várias coisas da menina –.
Passando-se quase uma hora, chegaram no local que a italiana dizia ser o certo. Ela saiu do carro e bateu a porta, mas parou ao ouvir o amigo buzinar. Olhou para trás novamente e chegou perto dele.
- Que horas eu tenho que vir te buscar?
- Ah, ‘cê não precisa me buscar. O Coran ‘tá vindo ‘pra cá, mas ele já tinha comprado o ingresso, aí ele vem mais tarde. Ele vai me levar ‘pra casa.
- Ah, ok. Mas se você quiser voltar mais cedo, me liga. Vou ‘tá com meu celular por perto. – A garota sorriu docemente. Lance, mesmo sendo um idiota cabeçudo, era um ótimo amigo.
- Beleza. Tchau, Lance! – Deu tchau para o rapaz e correu para a bilheteria que já estava formando uma fila. O moreno esperou a italiana chegar lá e deu partida, indo embora em seguida.
Colocou um CD e ouviu as músicas dele. Cantava junto a e lembrava de como Keith o obrigou a ouvir essas músicas velhas.
- ‘Qualé, Keith! Por que não ouvimos a rádio normal? Ou ouvir alguma música da nossa época? Não era mais fácil? – Lance reclamava – pela milésima vez – das músicas escolhidas pelo namorado. Keith apenas revirava os olhos.
- Não enche o saco, Lance. O carro é meu, as músicas são minhas.
- Tecnicamente, o carro é da sua mãe. E ela só te emprestou, porque ela quebrou o pé e não pode dirigir por mais duas semanas. Mas, mesmo assim, Keith! Outra música, por favor! – O cubano implorava para o menor, que sentia a cabeça ferver a cada grito do maior.
- Para, porra! Que saco, caralho! Vai ser essa música e ponto final! – O coreano falou e o outro se calou, com raiva, e cruzou os braços. Ficaram em silêncio por um tempo.
O asiático estava pensando numa forma de se desculpar pela maneira grossa que falou com o latino, até ouvi-lo cantar junto a música que estava tocando. Olhou para o garoto de relance e percebeu que ele olhava a vista dos campos pelos quais passavam. Estavam viajando para Grand Canyon Village, no Arizona. Estavam indo para lá, porque era uma surpresa de Keith. Faziam dois meses de namoro e era a comemoração de aniversário de Lance. Já tinha se passado duas semanas? Sim, já tinha, mas Lance nunca trocaria seu aniversário em Cuba com sua família – de sangue e não de sangue – do que ir para o Grand Canyon apenas com seu namorado.
- Não sabia que gostava dessa música, Lancey Lance. – Olhou para ele de relance, o vendo travar e corar, o que fez o asiático sorrir de lado.
- Claro que não. Eu não escuto músicas da década de cinquenta. Nunca, jamais. Nunca aconteceria. – Cruzou os braços e fechou os olhos, inflando as bochechas, o que fez com que o mais baixo risse. O latino abriu um de seus olhos e viu como seu namorado estava fofo. Ele era a fofura em pessoa. A lindeza em pessoa. A melhor pessoa. Deixou de cruzar os braços e passou a rir junto a ele, dando beijinhos em sua bochecha e fazendo barulhinhos de pum sobre a pele do de olhos negros. – Ok, talvez eu goste dessas músicas. Mas é só um talvez.
- Ah, é um talvez como o nosso “momento de união”? – Perguntou, rindo da expressão do mais novo que fechou a cara.
- Eu não vou mais falar com você até chegarmos lá. Adiós, Keith. Buenas noches. – Colocou sua venda e virou o rosto para a janela. O mais velho revirou os olhos e riu pelo nariz. Voltou a prestar atenção na estrada, cantarolando a música que agora tocava.
- Ainda não acredito que você me obrigou a ouvir essas coisas e ainda mais, me fazer gostar delas! – Falou consigo mesmo. Continuou a cantar com a música, esperando o tempo passar, até – finalmente – chegar em casa. Saiu do seu carro e abriu a porta da garagem que dava na cozinha e encontrou Hunk com o aspirador de pó na sala, o passando por debaixo do sofá.
- Vem, ‘cê vai me ajudar. Eu vou limpar a sala, o meu quarto e o da Pidge e a cozinha. Você vai limpar os banheiros, o seu quarto e o corredor lá de cima. Vai ser com essa roupa ou vai trocar?
- Eu vou trocar, sim. – Começou a subir as escadas, mas parou na metade, voltando a encarar o samoano. – E a garagem? Não vai limpar a garagem?
- Não, hoje, não, porque a gente vai estar muito cansado quando der três da tarde. Semana que vem, a gente limpa. – Lance murmurou alguma coisa e foi para o seu quarto, trocando de roupa e pondo o anti-inflamatório que tinha acabado de comprar para a sua gata, descendo para pegar a vassoura e o espanador. Subiu novamente e suspirou. Odiava fazer faxina. Começou a espanar a poeira na sua mesa de estudo e cantando suas músicas.
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Lance deitou (lê-se caiu) no chão e pôs o antebraço nos olhos, respirando com dificuldade. Já eram quase cinco horas da tarde e só agora tinham terminado de arrumar a casa. Por que sujeira tinha que existir?
- Lance, para de exagero. Você já limpou essa casa mil vezes antes. Não é tudo isso. – Hunk disse enquanto revirava os olhos. Não sabia como ainda aguentava o drama do cubano.
- Eu estou morrendo, Hunk. Você não liga para o seu melhor amigo? – Perguntou, tirando o braço dos olhos e o encarando.
- Claro que eu ligo. Mas eu ligo ‘pra coisas sérias, não drama de novela.
O cubano fez cara de indignação e se levantou, indo em direção ao seu banheiro. Colocou qualquer música para tocar e usou seus shampoos, condicionadores e hidratantes. Ao sair do banho, colocou um calção qualquer e uma regata azul marinho. Olhou para Cielo e a pegou no colo, descendo com a mesma para a cozinha onde Hunk – esperava muito – fazia o jantar.
- Ei, Hunk, você- Hunk? – Olhou em volta e não avistou o amigo, escutando o barulho do chuveiro logo depois.
Deve estar mais cansado que eu, pensou. E ele ainda vai fazer o jantar.
Suspirou. Não iria botar mais trabalho nas costas do samoano.
Olhou para o telefone fixo e foi para a cozinha, procurando pelo imã com o número da pizzaria. Ao encontra-lo, voltou para a sala, discou o número no telefone.
- Boa noite, pizzaria Domino’s, o que deseja?
- Boa noite, eu gostaria de uma pizza gigante, metade margherita, metade bacon com mussarela, sem cebola, por favor. Ah, e um refrigerante, também.
- Deseja mais alguma coisa, senhor?
- Não, só isso, mesmo.
- Tudo bem. Pode me dizer seu endereço, por favor?
- Claro.
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- Que cheiro bom é esse, Lance? – Hunk perguntou, enquanto enxugava o cabelo com sua toalha.
- Pizza, mi amigo! – Falou, levantando os braços, em excitação.
- Ah, claro. E eu jurando que você tinha feito alguma coisa. – Revirou os olhos para o cubano e sorriu em seguida. – Mas obrigado, cara. Eu já ‘tava um caco. Não conseguiria fazer nada ‘pra ninguém. – Se sentou na cadeira, já abrindo a caixa da pizza. – Sem cebola? Sério? – Olhou para o mais baixo, que apenas deu de ombros, ainda sorrindo.
- Eu odeio cebola e você sabe disso. Todo mundo sabe disso. ‘Qualé, cara, parece que eu ‘tô mordendo a asa de uma barata. É nojento. – Falou pausadamente, dando a língua ao pensar no bulbo. – Eca.
O samoano riu do amigo, que fazia caras de nojo.
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- Sendak, você ainda tem a ficha do item 42-63? – O mais velho olhou para Lotor, arqueando a sobrancelha.
- Não aqui comigo, mas ‘tá por entre os outros papéis. Por quê?
- Eu preciso ver uma coisa nele. Onde está? – Perguntou, o fuzilando com o olhar e o outro apenas deu de ombros.
- Em alguma das primeiras gavetas, entre I-22 e I-47. Vai me responder porquê? – O platinado saiu da sala, como se não tivesse o ouvido e indo em direção a sala de Sendak.
Abriu a porta e a trancou logo em seguida, a procura do papel. Abriu todas as gavetas ditas como possíveis locais onde o que procurava estava, jogando todos os que não eram aos ares, que caíam no chão. Grunhia a cada vez que não o encontrava e segurava todos os gritos de ódio por Lance. Sim, estava com raiva de Lance. Raiva por tê-lo feito confiar em alguém, raiva por ele não tê-lo ajudado com seus pais, raiva por ter aquele gato, raiva por não fazê-lo esquecer de Allura. Ainda não acreditava que ela disse que era pior que seu pai, lhe dado um pé na bunda e ainda mais começar a namorar o idiota sem braço, o Shiro. Tinha raiva de Lance por não tê-lo feito esquecer de sua vida. Sua vida. Ria de si mesmo toda vez que pensava nela. Sua vida era uma merda. Uma merda.
- E acho bom você aprender a ser igual a um homem e gostar de mulheres! Não quero ter um filho viado aqui! – Zarkon disse quando tinha seus dezesseis anos de idades, quando se descobriu bissexual.
Sentia todos os cortes feitos pelo seu pai arderem e sua bochecha doer pelo tapa que tinha recebido por ele também. Estava caído no chão, com a visão embaçada e os olhos quase fechando. Mas conseguia ver sua mãe do outro lado da sala, apenas olhando tudo, sem fazer nada, com se não se importasse. E por que se importaria? Nunca tinha sido uma mãe para ele. Sempre longe, no trabalho junto a seu pai. O que teve mais próximo de uma mãe, foi sua babá, e ela já tinha sido demitida há sete anos.
Sentiu outro chute ser dado na região do peito e outro em sua virilha. Tossiu, sentindo gosto de sangue invadir sua boca e olhou para o seu pai uma última vez, que tinha uma arma na mão. Fechou os olhos, pensando que finalmente iria ficar em paz, quando ouviu o tiro ser disparado e não sentir nada. Conseguiu abrir um pouco os olhos e ver que Honerva estava na frente de Zarkon, segurando um taco de baseball e com a respiração ofegante. Ela bateu em seu marido novamente e olhou para Lotor em seguida, com os olhos frios e sem expressão.
- Saia daqui. – Foi a única coisa que ela falou, indo ajudar o homem desmaiado a sua frente e coloca-lo no sofá. O mais novo usou sua força restante e foi abrir a porta, olhando para trás uma última vez, vendo sua mãe pôr um pano úmido no hematoma que havia na testa de Zarkon. Encarou seu filho e fez um movimento para frente com a cabeça, indicando para ele ir embora. O mais novo apertou a maçaneta com força e a girou, saindo da casa e ligando para Narti, sua melhor amiga na época.
- Achei você. – Falou baixo, dando um sorriso sombrio.
Fechou a gaveta e puxou a cadeira para se sentar nela. Empurrou todos os papéis da mesa para o lado, fazendo com que todos caíssem no chão.
Item 42-63
Nome: Keith Kogane
Idade: dezoito anos
Data de nascimento: 23/10/1998
Pais: Akira Kogane (pai)
Mãe desconhecida
Endereço: encontro da 4th Ave e Broadway Ct (Los Angeles, Califórnia)
Estado civil: solteiro (namorando)
Cônjuge: Lance McClain
Dose de quintessência: uma vez por semana
Mudanças: manchas violetas pela pele branca, escleras amarelas, garras, cauda, írises roxas, orelhas felinas, presas, aumento da força, grito supersônico
Curso: engenharia física
Cônjuge: Lance McClain
Lotor leu e releu a ficha inteira sobre o “Keith Kogane”. Agora entendia porque o nome “Keith” lhe era tão familiar. Esse era o cara que roubou Lance de si.
O platinado gritou de raiva e começou a pegar coisas e jogar no chão. Jogava qualquer coisa que lhe aparecia na vista em algum ponto daquela sala. Salas. Odiava salas. Já tinha sido preso em uma quando pequeno, quando disse a seu pai que não mataria um rato. Zarkon lhe prendeu numa sala de laboratório, junto a vários ratos e também a gatos. Os ratos eram de laboratório, ou seja, limpos. O problema eram os gatos. Eles matavam os roedores como se fossem apenas brinquedinhos para se divertir e os deixavam lá, indo caçar outros. Nesse momento Lotor passou a odiar gatos. E foi nesse dia que não passou a ver mais Zarkon como seu pai.
Quando parou de pensar naquilo e ver o que tinha feito ali, começou a chorar. De tristeza, de raiva, de medo. De rancor. Rancor por seus pais, que nunca estiveram lá quando ganhou o primeiro lugar na feira de ciências ou quando perdeu o primeiro dente de leite. Rancor por Allura, que o rejeitou no momento que mais precisava de alguém. Rancor por Shiro, que roubou Allura de si. Rancor por Lance, que não o amava de verdade, só o utilizava. Rancor por Keith, por ser amado por Lance de um modo que o platinado não era.
Olhou para o papel novamente e olhou para os lados, procurando por alguém ou por alguma coisa. Por não ver ninguém ali, pegou a ficha e a guardou consigo, a levando para casa. Mas, antes de ir embora, pediu a um dos guardas ir “conversar” com o item 42-63.
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Keith estranhou ao ouvir o portão ser aberto. Lance disse que voltaria na segunda, e, se suas contas estivessem corretas – e com a ajuda das luzes que desligavam a noite –, ainda era apenas sábado. O que o cubano faria ali tão cedo?
Decidiu checar quem estava ali, indo pelos galhos e usando a escuridão ao seu favor. Chegando mais perto, pôde ouvir um amontoado de vozes, não eram mais de cinco pessoas, provavelmente umas três. O que fariam ali a aquela hora da noite?
Quando conseguiu enxergar as pessoas lá dentro, sentiu os pelos da nuca se eriçarem ao perceber que seguravam armas e estavam com armaduras protetoras. Suas fendas afinaram e ele começou a rosnar, chamando a atenção do grupo, que se virou em direção ao local de onde vinha o barulho.
- Alguém mais ouviu aquilo? – Um deles perguntou pelo comunicador.
- Deve ter sido apenas o vento. – O mais alto respondeu.
- Cara, aqui é uma jaula. Não tem vento.
- Claro que tem, seu idiota! O sistema de ventilação serve ‘pra isso! Ventilar o local!
- Ah, é mesmo. Que burrice a minha. – O coreano revirou os olhos ao escutar a conversa deles. Que caras idiotas.
Mesmo perdendo um pouco do medo, não deixou de ficar na defensiva e se preparou para o melhor momento para atacar.
Foi para outro galho e, dessa vez, fez um barulho mais alto para ser ouvido pelos homens. Todos se viraram naquela direção e um deles começou a gritar e a atirar desesperadamente, errando todas as balas para acertarem Keith.
Um já foi, pensou. Agora faltam dois.
Alguém sem arma, é alguém desprotegido. Por isso, Keith, caso algum dia alguém esteja tentando te machucar, faça com que essa pessoa perca sua arma. Se for uma espada, tire-a da mão da pessoa e pegue ‘pra você. Se for uma arma de fogo, faça com que a pessoa gaste todas as balas.
Ensinamentos com a mãe nunca é demais. Mesmo se fosse ela própria dizendo para abater alguém.
- Oh, seu idiota! Você gastou todas as balas! Eram só folhas, porra! – O mediano falou.
- Mas eu vi um vulto! Eu juro! – Os outros dois grunhiram e continuaram a andar para frente. O asiático continuou a segui-los, sempre de tocaia.
De repente, um deles parou e se abaixou, tocando em alguma coisa da terra.
-Zion? O que foi? – O que ainda tinha balas perguntou, enquanto o que tinha gastado todas tinha um porrete na mão.
- Ele está nos seguindo.
- “Ele” quem? – O de estatura mediana grunhiu.
- O item 42-63, Pierre. A coisa que estamos procurando. Meu Deus, eu não acredito que você é meu amigo. – Ele bateu a mão no capacete.
- Ah, ‘qualé, Hudson, eu sei que você me ama. – O cara, chamado Pierre, falou. Os dois ficaram discutindo, até Zion gritar, fazendo com que parassem.
- Dá ‘pra vocês pararem? Não entendem que tem um bicho mortífero aqui, que pode nos matar a qualquer momento?
- Sim, claro que sabemos, dã. – Pierre revirou os olhos.
- E por que estão agindo como se não soubessem? – Arqueou uma sobrancelha. – Estamos em situação de risco! Podemos ser mortos a qualquer momento!
Keith desceu da árvore que estava, sem fazer barulho, e foi para perto deles, ainda escondido, atrás de uma moita.
- Você disse que ele estava nos seguindo. Como pode ter tanta certeza? – Hudson perguntou, cruzando os braços.
- Porque, diferente de vocês, eu estudei algo sobre caça. E, quando tem uma pegada tão recente assim, indo ‘pra lá, significa que algo ou alguém passou por ali recentemente. – O mais alto, Zion, disse, enquanto mirava sua arma no tronco do coreano, que percebeu o ponto vermelho em seu peito. – Até mais, gatinho.
Mas antes que pudesse atirar, algo saiu de trás da moita, assustando os três que estavam ali e arremessando o menor – Pierre – longe. Os outros dois olharam para o amigo no chão, caído, e olharam para frente, vendo o híbrido os observando, rosnando e respirando ofegantemente. O mais alto apontou a arma para o garoto novamente, que percebeu o movimento dele e gritou. O grito foi tão forte que fez todos taparem os ouvidos, deixando suas armas caírem.
Quando parou de gritar, Zion abriu os olhos e tirou as mãos das orelhas, mas foi impedido ao receber um soco bem abaixo do queixo, erguendo sua cabeça. Deu alguns passos para trás, por causa do impacto, e, ao tentar abrir os olhos novamente, recebeu outro soco, mas na bochecha esquerda, dessa vez. Foi recebendo socos várias vezes e chutes, até conseguir para-lo e finalmente poder abrir os olhos, vendo como o item 42-63 estava perto de si, rosnando.
- Zion! – Keith ouviu Hudson gritar e empurrou o maior para longe de si, indo em direção a o que havia gritado. Hudson levantou a arma, tentando atirar no coreano que desviava de todas as tentativas do homem. Ao chegar na sua frente, o asiático começou a soca-lo também, desviando de alguns que mal chegavam perto dele. Ouviu um click e olhou de relance para a arma que estava pronta para puxar o gatilho. A trajetória da bala não cairia em si, mas sim no... Hudson.
Ao perceber que já tinha sido apertada, o garoto se abaixou e deu uma rasteira no homem, que caiu e ficou ali, recuperando as forças.
O moreno o deixou ali e foi em direção a Pierre, que já tinha levantado e tinha sido o que tinha quase matado o amigo. Ao perceber que o híbrido ia em sua direção, começou a gritar e correr, assustado. O coreano subiu numa árvore e foi atrás dele, gritando, o que o fazia tampar os ouvidos e chorar. Quando quase chegava no portão, sentiu um peso em cima de si e puxando o seu pé, o trouxe para mais dentro da jaula, com o item 42-63 em cima de si, gritando. Pierre fazia de tudo para afasta-lo, mas era praticamente impossível, porque ele era bem mais forte que si próprio e não conseguia ficar com as orelhas destampadas.
Keith não iria mata-lo, apenas avisa-lo para ir embora dali. Parou de gritar, até sentir algo raspando em seu ombro e gritar novamente, saindo de cima do homem. Tremeu seu corpo e olhou para seu ombro direito, encontrando um pequeno corte e sangue saindo dele. Sentiu seus sentidos se aguçarem e rosnou. Olhou para quem tinha lhe machucado e ficou em posição de ataque, com os quatro membros no chão e mostrando os dentes.
Zion percebeu que o item iria ataca-lo e atirou novamente, dessa vez, errando miseravelmente. E era a última bala. Ficou encarando a bala caída no chão, sentindo como se seu mundo fosse despedaçar. Olhou novamente para o híbrido, que também encarava a bala, até olha-lo de volta e afinar as fendas. Rosnou e gritou, fazendo todos ao seu redor taparem os ouvidos. Ao parar de gritar, Zion abriu os olhos, apenas vendo o momento certo que o coreano pulava em cima de si e mordia seu pescoço. Sua respiração falhava e seus olhos lacrimejavam. Tentou levantar as mãos na altura do pescoço para empurrar o rosto do item 42-63, mas não tinha forças, deixando os dedos caírem junto a seus braços. Deixou de sentir o corpo e ficou imóvel.
Hudson e Pierre se assustaram com a cena. Seu amigo estava com um rasgo no pescoço feito pelas presas do item 42-63. Seu amigo estava morto.
Keith sentiu um gosto metálico na boca e soltou o pescoço do homem, percebendo o que tinha feito. Tinha matado uma pessoa. Tinha matado uma pessoa com uma família. Uma pessoa com amigos. Tinha matado alguém.
Continuou a olhar o corpo, até sentir algo quente passar por suas bochechas. Percebeu que eram lágrimas. Olhou para os outros dois e deu passos para trás, assustado e com dor. Saiu da visão deles, indo para a sua árvore-ninho e ficando lá, chorando e tremendo com a dor que sentia no ombro. Olhou novamente para o machucado e olhou para o resto do seu calção, rasgando um pedaço e enfaixando no seu ombro. Ainda escutava os choros e lamúrias dos amigos de Zion e voltou a chorar. Tinha matado alguém inocente. Alguém que não tinha nada a ver com o que fizeram com ele. Ouviu quando o portão foi fechado e fechou os olhos, gritando o mais alto que podia.
Era um monstro.
Os céus estão chorando, estou assistindo
Pegando as lágrimas com as minhas mãos
Somente o silêncio em seu fim
Como se nunca tivéssemos tido uma chance
Você tem que me fazer sentir como se
Não restasse nada de mim?
Enquanto a fumaça se espalha, eu acordo
E desembaraço você de mim
Você se sentiria melhor
Se assistisse enquanto eu sangro?
Todas as minhas janelas ainda estão quebradas
Mas estou de pé
Vá, corra, corra, corra
É um longo caminho pra baixo
Mas estou mais perto das nuvens aqui em cima
Você pode pegar tudo o que tenho
Você pode quebrar tudo o que sou
Como se eu fosse feita de vidro
Como se eu fosse feita de papel, oh
Vá em frente e tente me derrubar
Eu vou me levantar do chão
Como um arranha-céu
Como um arranha-céu – Skyscraper, Demi Lovato
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