Harry
Estava gelado pra caralho, mas ainda assim o sol insistia em aparecer, quase nos cegando, apesar de não esquentar nada. Estávamos andando já tinha uns 15 minutos, a rua era longa, mas ela não tinha aberto a boca para nada, e a todo momento dava olhadas rápidas em minha direção, como se estivesse me espionando escondida.
- sabe, eu não mordo - digo ainda olhando para frente quando ela olhou mais uma vez rapidamente, a ouço se recompor pigarreando sem graça - quer dizer, você está assim a 15 minutos e ainda não disse uma palavra de onde gostaria de ir - eu a olho erguendo as sobrancelhas, eu estava tentando ser legal, mas ela não ajudava nem um pouco - só estou dizendo... - desvio o olhar dela, voltando a calçada a tempo de pular uma enorme pedra, ouço sua risada e a olho novamente.
- achei que poderia me mostrar o que você mais gosta por aqui ou sei lá... - franzo o cenho para ela e sorrio - fiquei sem graça de dizer para onde me levar, parecia que estou mandando em você ou...meu Deus - ela ri balançando os cabelos - não sou tão boa com pessoas sabe? Minha mãe diz que parece que eu tenho medo delas, mas eu não sei como conversar com alguém na verdade, eu sempre acho que vão me achar patética ou algo assim - ela me olha e abre a boca surpresa, dou risada - desculpe, não queria, não queria ter dito isso - ela franze o cenho, encarando o chão.
- tudo bem - sorrio e ela me olha novamente - é só que você não me parece ser assim - ela ergue uma sobrancelha atrevida, igual a Lottie quando a provoco e ela fica irritada.
- eu sei, as vezes acho que faço de propósito e não é, sabe? - ela gesticula com as mãos, exasperada - é só que não sei agir de outra forma quando conheço gente nova, e bom, você é uma pessoa nova e eu nem noto quando faço isso, só...não gostaria de passar essa impressão - ela morde a boca, ainda com a testa franzida.
- é só ser você de verdade, não é tão difícil - digo encolhendo os ombros - algumas pessoas não vão gostar tanto assim e tudo bem, você não precisa agradar todo mundo - ela suspira alto e volta um olhar inquisitivo para mim - e seria bem menos irritante - digo baixinho e ela dá risada.
- eu sei, é bem irritante - olho para ela - estou tentando trabalhar nesse negócio de pessoas a um tempo, mas na prática é sempre mais difícil e eu esqueço tudo o que já pratiquei antes - dou risada, ela me olha e sorri.
- com o tempo você pega, lidar com gente nunca é fácil - digo, meus pensamentos indo em direção a Charlotte e tudo o que passamos lá no começo, já fazia meses. Ela sorri assentindo com a cabeça, abraçando a si própria, precisávamos achar algum lugar quente e logo - então? O que você gostaria de fazer? Ou algum lugar que você queira ir...?
- eu estou com fome - ela diz com pressa e sorri sem graça, dou risada, cruzando os braços em seguida - e com frio... você conhece algum restaurante aqui ou lanchonete ou qualquer lugar que tenha comida seria legal...
- logo ali na frente tem um pub bem legal, é só eu não pedir nada alcoólico que eles não vão encher nosso saco - digo e ela sorri e assente concordando.
Apressamos o passo para chegarmos logo ao pub, as árvores se moviam violentamente por conta do vento forte que as assolava, a indicação de que uma chuva viria em breve. Não demoramos muito e chegamos no pub, quente e convidativo, os balcões cheios de bebidas, a aquela hora ainda estava vazio, normalmente cheio de estudantes da faculdade mais proxima ou de trabalhadores que saíram a pouco do expediente. Escolhemos uma mesa não muito perto da porta, já que ela seria aberta com mais frequência. Os cardápios estavam em cima da mesa, não vendiam pratos ou comida pronta, apenas petiscos pra comer com bebida.
- eu deveria ter te levado em outro lugar, aqui não tem comida - digo olhando o cardápio, passando os olhos pelas várias bebidas que o catálogo mostrava.
- tudo bem, menti quando disse que estava com muita fome - ergo os sobrancelhas - eu só queria sair do frio - ela encolhe os ombros.
- ok - fecho o cardápio e a olho - então o que vamos fazer? Eu vou pedir batata frita, você não vai querer, porque por mim tudo bem, eu posso comer todas sozinho - digo já me levantando, ela sorri.
- se você pedir batatas eu vou querer também...por favor - ela sorri e cruza os braços na cadeira, dou risada e balanço a cabeça, me levantando e indo até o balcão.
Pego o celular, mandando algumas mensagens para Lottie, perguntando como havia sido a volta dela e se estava bem, ela não me responde rapidamente, tento não me preocupar, já que ela voltou hoje é provavelmente quer um tempo apenas para ela poder pensar, nem posso mencionar o fato de eu estar aqui com sua irmã, já que ela nem imagina que ela está hospedada na casa dos meus pais, minha casa, que seja, ela já tem coisas demais para lidar com mais essa merda.
Finalmente as batatas chegam e eu as levo para a mesa, Emilly me olha furtivamente ao voltar para a mesa.
- você tem namorada? - ela pergunta pegando uma batata, franzo o cenho pela curiosidade e audácia dela - desculpa - dá risada e abaixa a cabeça - é aquela menina que estava com você no jantar?
- você realmente não tem filtros, não é mesmo? - olho para ela estranhamente, ainda com a testa franzida, ela balança os ombros, claramente tranquila com aquilo - mas sim, ela é minha namorada, - pego uma batata, botando na boca em seguida - e você? Tem namorado...ou namorada? - encolho os ombros, remexendo nas batatas, ela morde a bochecha antes de responder.
- eu tinha um...Mas era antes de virmos pra cá, meus pais não sabiam, é claro, então tive que terminar - ela balança os ombros novamente - qual é o nome dela?
- porque você está tão interessada na minha namorada? - pergunto divertido, ela arregala os olhos, dou risada - é brincadeira...
- é que vocês pareceram um casal tão feliz e eu achei tão legal, não sei - ela pega outra batata, como se quisesse encerrar o assunto.
- nós somos na verdade, mas a maior parte do tempo estamos envolvidos em muita merda - ela dá risada e eu a olho - mas passamos todas elas juntos - digo e sorrio, olhando instintivamente para o celular.
- ela sabe que você está aqui comigo? - franzo o cenho para a pergunta repentina, ela parece não se importar.
- sabe - minto, não poderia falar o motivo de não contar a ela que eu estava com a sua meia irmã a mando da minha mãe - contei a ela no caminho, enquanto você não falava nada - digo, replicando o que ela tinha dito, irritado por mentir para Charlotte e até para Emilly. Ela parece magoada com o que eu disse e me sinto internamente satisfeito.
- desculpe, não quis insinuar nada - ela diz baixinho e eu assinto, aceitando as desculpas - minha mãe disse que vai me matricular na sua escola - quase engasgo quando ela diz isso e então ela ri - vou pegar um refrigerante pra você - ela se levanta e volta logo em seguida com 2 copos enormes de refrigerante, o líquido marrom quase escorrendo pelas bordas. Bebo quase tudo de uma vez. Isso não era nada bom, só de imaginar a vendo todos os dias, Charlotte a vendo todos os dias, sabendo de toda a verdade e não poder falar tudo de uma vez... - está melhor?? - pergunta se sentando a minha frente novamente, me olhando atentamente, quase tão parecida com Charlotte que doía.
- sim, obrigada - falo ofegante - quando você vai? - ela franze o cenho confusa - para a escola?
- talvez segunda feira, minha mãe está resolvendo algumas coisas com eles ainda - ela diz e então lembro do que minha mãe falou mais cedo, provavelmente era isso que iam resolver.
- isso... isso é muito bom, quer dizer já conhece alguém de lá - sorrio, ou pelo menos tento - o que me leva a perguntar, quantos anos você tem?? - digo tentando desviar do assunto e esquecer aquilo e o quanto poderia dar em alguma merda.
- vou fazer 16 daqui a alguns meses - ela sorri olhando para a mão em cima da mesa, mordendo a boca e então volta a olhar para mim, ainda sorrindo. Minha ficha cai, então ela e Charlotte tinham quase a mesma idade, o que me levava a pensar que quando ela foi embora já tinha Emilly em algum lugar, Helena traiu o pai de Charlotte, é a única resposta possível para tudo isso - você está bem? Parece que viu um fantasma - ela diz rindo, balanço a cabeça e tento sorrir novamente, Helena estava enganando essas duas meninas, mentiu a vida inteira pra todos a sua volta, não é a toa que esconde tanto sua vida e não veio procurar Lottie quando chegou.
- não é nada - sorrio e pego o celular, verificando se há alguma mensagem apenas para não olhar para a garota em minha frente, eu simplesmente não conseguia e nem era culpa dela - essas batatas não me caíram tão bem quanto eu esperava - ela ri baixinho, bebericando de seu copo.
- quer ir embora? - ela pergunta de repente, após ficarmos em um silêncio desconfortável, eu a olho franzindo o cenho - você não parece mesmo estar legal e eu não quero que você passe mal aqui - dou risada e assinto em silêncio.
- se você não se importar - digo e ela sorri, balançando os ombros, concordando com a cabeça - e podemos voltar qualquer dia, pra eu te mostrar mais coisas - ela assente.
- eu adoraria - me levanto e vou ao balcão, pagar a conta, logo volto, ela já está na porta, abraçando a si mesma, o vento batendo em seu rosto, fazendo os cabelos se espalharem a sua volta - você vai mesmo me levar a outros lugares? - ela diz saindo porta afora, as mãos dentro dos bolsos da jaqueta - quer dizer, mudou sua opinião sobre mim? - caminhamos lado a lado.
- mudei sim - sorrio e a olho - você não é nada como eu pensava - ela ergue uma sobrancelha - você é uma companhia agradável, não uma mimadinha como eu imaginava - ela me olha indignada e eu sou risada - é verdade, apesar de ainda ter o nariz em pé...
- isso não vou mudar por nada - ela me olha e então sorri - mamãe diz que é minha marca registrada e que me faz mais parecida com ela - suspiro, engolindo em seco, ela não fazia ideia de quem era a própria mãe e como mentiu todos esses anos - obrigada - diz baixinho e eu a olho franzindo o cenho - pelo dia - diz quando vê que estou confuso - por me trazer aqui, te tirar de casa e do seu descanso da aula...obrigada - sorrio e encolho os ombros.
- não foi nada, meio que minha mãe me obrigou - confesso e ela ri.
- você também não é nada como eu pensava...
- e como você achava que eu era? - pergunto, cruzando os braços quando o vento bate forte em meu rosto, avisando que a chuva de mais cedo estava mais próxima do que eu imaginava, tinha se passado mais tempo do que eu havia contado, o sol já se escondia no fim da rua através das turbulentas nuvens escuras.
- metido, um idiota pra falar a verdade - dou risada com a franqueza dela - desculpe, - ela sorri sem graça - nem posso dizer muita coisa, agi da mesma forma - ela revira os olhos, sorrio.
- o bom é que agora nos conhecemos o suficiente para saber que não somos...como você disse mesmo? - ela ri, balançando a cabeça, repetindo o que havia falado antes - isso, idiotas babacas, não somos assim e agora sabemos - ela assente rindo, quando nos damos conta já estamos em frente à minha casa, olho surpreso pra ela, que sorri - foi bom pra mim também - ela franze a testa - sair com você hoje, não precisamos mais ficar naquela tensão dentro de casa, bom, até quando você for embora - encolho os ombros e ela me olha estranhamente e então assente quando abro a porta.
- espero fazer isso mais vezes - ela diz e sai em minha frente, sorrio sem graça - bom, vou te deixar agora sozinho - diz caminhando pela sala, franzo o cenho para sua figura, enquanto ela sobe as escadas correndo, me sentindo péssimo e estranho por estar guardando aquela mentira comigo, aquilo iria explodir, uma hora ou outra e elas sairiam machucadas, muito mais do que já estão, porque apesar de Emilly ser uma garota legal, ela tem alguma coisa de errado, como se manter em uma aparência que não é a sua verdadeira, uma máscara para esconder quem ela é de verdade.
Suspiro ressentido com toda aquela merda e subo, verificando se Emilly já teria entrado em seu quarto e se minha mãe ou Helena estava por aqui, meu pai não estava e nem o pai dela, mas provavelmente não estariam muito longe de casa, sei que Mary está na cozinha apenas pelos barulhos de panelas sendo mexidas, mas estou tão cansado que só quero um banho e deitar em minha cama.
Assim que entro em meu quarto tiro toda a minha roupa e entro debaixo do chuveiro, repassando o dia todo em minha cabeça, pensando em como eu poderia ajudar de alguma forma e se eu realemnte deveria me intrometer nisso, Charlotte é minha namorada, tem o direito de saber essas coisas, mas então ela saberia que eu menti a ela sobre Helena e sua família estarem hospedados em minha casa, é claro que não fiz por mal, não poderia contar quando ela está tão mal com tudo isso, com sua mãe aparecendo depois de anos, mas eu não tenho tanta certeza se ela pode entender o que eu quis fazer, me culpo agora por não ter dito nada e como tudo está virando uma bola de neve gigantesca e sem precedentes.
Termino meu banho, sabendo que mais de meia hora havia passado e eu não tinha falado com ela ainda. Me visto e pego meu celular na cabeceira, ela havia respondido, estava bem, suspiro aliviado e começo a digitar a mensagem de que precisávamos conversar, mas apago tudo em seguida, sem coragem de mandar a ela, agindo como um covarde. Eu me sentia responsável por pelo menos parte da situação e precisava resolver logo, Charlotte não merecia isso, eu resolveria e tudo ficaria bem, precisava ficar.
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