O rangido incômodo da porta de seu quarto interrompeu o sono de Sunghoon, que grunhiu descontente; não lembrava quando havia sido a última vez que tiveram uma noite completa de sono. Conseguiu distinguir alguns ruídos ao fundo e ouvia com clareza a voz de sua mãe e suspirou, já imaginando quem era. Sentiu o espaço vazio da cama afundar e logo um corpo pequeno e quente estava se esgueirando para debaixo de seu cobertor, não estava sendo muito diferente das últimas duas semanas.
— Posso dormir aqui? — Sungjoon murmurou. — A mamãe e o papai estão falando muito alto.
Sunghoon não respondeu, apenas envolveu seus braços ao redor do corpo do irmão mais novo e deixou com que a criança se fizesse confortável entre seus braços para conseguir voltar a dormir. Diferente de seu irmão, Sunghoon sabia que não conseguiria mais dormir, no entanto, permaneceu na cama por longos minutos, para ter a certeza de que Sungjoon estivesse realmente dormindo. Seu quarto era o último da casa e consequentemente o mais distante da cozinha, onde nesse exato momento seus pais estavam discutindo sabe-se lá há quanto tempo, mas que fora o suficiente para conseguir acordar seu irmão.
Nos últimos meses Sunghoon tem assistido de camarote o casamento de vinte e oito anos de seus pais desmoronar bem na frente dos seus olhos. E ao mesmo tempo que precisava lidar com isso, tinha também Sungjoon que era novo demais para entender o que acontecia e ainda as competições de patinação, mesmo que estivesse afetado com o fim do casamento dos pais, porque ele tinha-os como parâmetro para um bom relacionamento, não podia se dar ao luxo de deixar suas emoções a vista. Precisava fantasiar que estava tudo bem.
Quando notou a respiração calma contra seu pescoço e que as mãos pequenas não seguravam mais com tanta força em sua camiseta, Sunghoon lentamente tirou seu corpo de perto do irmão e se levantou da cama. Tateou preguiçosamente sua mesa atrás de seu celular para ver a horas, ambos ainda tinham bons quarenta e cinco minutos de sono até precisarem acordar para a escola, mas que apenas Sungjoon iria fazer proveito. Sunghoon iria fazer o papel de irmão mais velho e protetor para seus pais.
Saiu do quarto irritado. Não por ter perdido o sono, ele ainda estava cansado, mas sim por precisar alertar seus pais de que seus filhos ainda estavam em casa e que Sungjoon tinha o sono leve. Os dois ainda estavam na cozinha, sua mãe com o jaleco branco de fisioterapeuta e seu pai com seu típico terno amarrotado porque ele não sabia passar roupa e sua mãe não se dava mais o trabalho de o fazer. Eles ainda pareciam estar no meio da discussão porque seu pai tinha as mãos na cintura, incrédulo e sua mãe com o dedo apontado agressivamente para seu rosto.
— Vocês sabem que são cinco e meia da manhã, não sabem? — Perguntou de forma sarcástica.
Quase instantaneamente os dois se viraram e toda a irritação em seus rostos se transformou em um misto de surpresa e culpa, e Sunghoon queria muito conseguir ser compadecer por isso, acreditar que eles não faziam por querer e talvez realmente não fizessem, mas ele não conseguia parar de pensar como toda aquela situação estava se tornando desgastante para todos.
— Filho, desculpa, eu…
— Eu não quero saber, mãe. — Cortou-a de forma rude. — Vocês podem se matar, eu realmente não me importo e também não precisam pensar em mim, mas não se esqueçam que o Sungjoon tem dez anos e tem o sono leve. O quarto dele fica a duas portas daqui.
Não esperou por uma resposta porque já conhecia todas, seu pai provavelmente falaria um não vamos fazer de novo o que era completamente ignorado na primeira oportunidade que um dos dois tinham para jogar coisas na cara um do outro. Sunghoon sempre teve uma boa relação com seus pais e seu irmão, não respondia nenhum deles, muito raramente fazia coisas por suas costas e ainda se lembrava de quando estava perto de completar dez anos e sua mãe disse que ele iria ganhar um irmãozinho. Se apaixonou por Sungjoon antes mesmo dele nascer. Claro que tinham algumas brigas infantis aqui e ali, eram irmãos com nove anos de diferença; Sungjoon era bem invasivo quando queria e Sunghoon sem paciência, mas nada que um saquinho de balas de ursinho deixado na porta do quarto não conseguisse consertar.
Eles eram uma família feliz e unida, com alguns probleminhas aqui e ali, mas feliz.
No entanto, alguns anos e o cansaço um do outro foram o suficiente para transformar uma família digna de filme em um verdadeiro caos. Sunghoon agora além do papel de irmão mais velho, tinha que exercer um de juiz, intervindo cada vez em que ouvia as vozes altas de seus pais, e de pai. Era ele quem levava Sungjoon para a escola, preparava suas refeições e ajudava na tarefa de casa, e fazia tudo com o maior sorriso do mundo no rosto porque precisava se manter normal e fingir que tudo aquilo não estava lhe cansando para não preocupar o irmão mais novo.
Só que, Sunghoon mal estava suportando tudo aquilo. Faltava pouquíssimo para surtar e perguntar um porque vocês não se divorciam logo? Seria melhor para todos. Por mais que não quisesse ver a relação de seus pais chegar ao fim, ele não aguentava mais tudo aquilo.
E, já não bastando todo aquele problema em casa, ele ainda precisava lidar com a constante pressão de todos ao seu redor sobre as Estaduais que eram no final do ano. Final do ano, com bons onze meses pela frente até chegar em dezembro e ele não entendia porque todo mundo queria saber sobre uma competição que só era em dezembro! Nem mesmo seu treinador estava lhe perguntando tanto sobre seus ensaios, treinos, qual música iria usar ou então você vai trazer mais uma medalha para casa, ‘né? Sunghoon sentia que jogaria seus patins na cabeça da próxima pessoa que lhe perguntasse sobre as Estaduais.
— Não se esqueça do seu treino hoje à tarde. — Estava no meio do corredor quando ainda conseguiu ouvir seu pai falar. — As Estaduais estão chegando e…
Bateu a porta do banheiro com tanta força que quase conseguiu sentir a parede tremer. Não iria tomar banho, pelo menos não agora. Ele só iria ficar ali, sentado no chão do banheiro, respirando fundo até ouvir a porta da frente bater duas vezes; a primeira com a saída de sua mãe, que sempre saía primeiro e depois seu pai, que precisava pegar o metrô já que sua mãe era quem dirigia e agora não esperava para saírem juntos. Mesmo os dois trabalhando no mesmo lado da cidade. O carro era dela, teoricamente, então ela podia fazer tudo o que quisesse .
Não demorou muito até notar que estava sozinho em casa, no entanto, não fez esforço algum em se levantar do chão, nem mesmo quando ouviu seu despertador tocar abafado por todas as paredes separando seu quarto do banheiro, diferente de seu irmão, Sunghoon tinha o sono muito pesado. Ele só se levantou no chão quando conseguiu ouvir os passos suaves de Sungjoon, sabendo que era só uma questão de segundos até que ele estivesse chamando seu nome pela casa.
Mais parecia que Sunghoon tinha um filho, e não um irmão.
Gostava dessas pequenas coisas que fazia para com Sungjoon. Ajudar ele a se vestir, secar seu cabelo, comer com ele na mesa, eram momentos do seu dia que não abriria mão nunca. Nem mesmo quando eles estavam brigados e emburrados, ainda se sentavam na mesa um do lado do outro e comiam.
Como todo dia, os dois saíram de casa e andaram até o ponto de ônibus. Vez ou outra, Sungjoon dormia no percurso de meia-hora que era até a escola do mais novo; às vezes, Sunghoon também cochilava, geralmente na volta depois dos treinos. E muito raramente ainda, um de seus pais se compadecia de sua exaustão e o buscava no centro de treinamento. Conseguia contar nos dedos de uma única mão quantas vezes isso aconteceu desde os seus dez anos
— Você sabe que eu não venho te buscar hoje, não é, Joon?
Sunghoon fazia questão de sempre avisar quando não iria buscá-lo. Mesmo que os dois soubessem muito bem aquela rotina onde ele tinha treino toda terça, quinta e sexta e não podia ir lhe buscar. Sungjoon já tinha decorado seus horários também, no entanto, sempre respondia a mesma coisa.
— Eu sei sim, hyung — Sorriu. — Prometo ligar para você caso aconteça alguma coisa.
Ele não ligava. Sungjoon nunca lhe ligava. Não ligava quando precisava de alguma coisa como no dia em que seu pai esqueceu de colocar seu lanche na mochila, como também não ligou no dia em que sua mãe atrasou uma hora para ir buscá-lo na escola. Algumas dessas coisas Sunghoon só descobria quando a professora do mais novo vinha comentar consigo e era por conta disso que número de celular no responsável na ficha de matrícula de Sungjoon era o seu.
Assistiu com um pequeno sorriso no rosto seu irmão se despedir com um aceno e em seguida sumir no meio do mar de alunos, mas não sem antes agarrar a cintura do mais velho em um abraço que Sunghoon sempre fazia questão de retribuir. Não era muito fã de crianças que não fosse seu irmão, mas de vez em quando se pegava pensando se, no futuro, ele seria um bom pai.
Pensamento esse que rapidamente era substituído pelas discussões de seus pais junto com outro pensamento de que se apaixonar ou ficar com alguém não fosse tão bom assim. Caso contrário seus pais não estariam beirando um divórcio.
Por anos e anos Sunghoon cresceu com esse ideal de casal perfeito que seus pais tinham. Namorar alguém legal, noivar, casar e toda essa baboseira romântica que gostava. No fundo, ele era um enorme idiota quando o assunto era relacionamentos. Mesmo com muitas garotas correndo atrás dele e sua mesa cheia de chocolates, cartões e cartinhas com sentimentos alheios no dia dos namorados, Sunghoon só tinha se envolvido com três garotas em todos os seus dezoito anos de vida. E todas porque seus pais queriam.
Filhas do chefe. De amigos. Ou simplesmente era sua vizinha, cinco anos mais velha, bonita, e que, segundo eles, formariam um casal bonito, como foi com Saerom. E ela sequer gostava de garotos e Sunghoon se lembrava muito bem de sentir suas bochechas esquentarem tanto que a garota achou que estava com febre quando confessou seus sentimentos para ela.
Oito meses depois desse desastre, Sunghoon percebeu que não gostava dela de verdade, só gostava da ideia de ter alguém como seus pais tinham um ao outro. E se sentia menos culpado ainda por saber que Saerom compartilhava do mesmo pensamento, mas com o diferencial de que: ela só queria ter um namorado porque achava que era obrigada a gostar de garotos.
Teve também outra situação. Um caso isolado quando tinha quinze anos e ficou bêbado pela primeira vez. Um garoto. Não lembrava seu nome, nem como aconteceu ou o porquê de ter acontecido, mas se lembrava de segurar em sua cintura e pressionar o corpo menor que o seu contra uma parede daquela casa desconhecida e beijá-lo com vontade. Lembrava também das mãos incertas segurando com força na sua camisa e do rosto vermelho de lábios inchados lhe encarando acanhado quando finalmente conseguiu desgrudar suas bocas.
Não havia sido seu primeiro beijo, mas era completamente diferente de beijar uma garota, não tinha muitas curvas, uma pele macia ou toques delicados. Nunca mais algo parecido aconteceu e ele não sabia se iria querer beijar outro garoto novamente.
Os corredores de sua escola estavam cheios, como todo dia e surpreendentemente Sunghoon não estava em cima do horário como todos os dias. Tinha ainda vinte minutos de bajulação de seus colegas antes que a aula se iniciasse. Não que estivesse reclamando, jamais; ele gostava de ser o centro das atenções, de ser disputado para absolutamente tudo, de ter todas as pessoas daquela escola querendo um pedaço seu. Sunghoon gostava de ser a atenção. Sua popularidade com certeza era o ponto alto da sua vida escolar e nunca abriria mão dela.
No entanto, a cabeça de fios cor de rosa foi a primeira coisa em que seus olhos se firmaram naquela manhã. Sunoo estava de cabeça baixa em sua típica cadeira no fundo da sala, os óculos descansando preguiçosamente sobre a mesa e ele com a bochecha esmagada contra a madeira. Bonitinho. E como se sentisse que estava sendo observado, ele levantou a cabeça colocando os óculos no rosto e fazendo contato visual direto com Sunghoon. A diferença foi que ele não desviou o olhar como sempre fazia quando Sunoo lhe encarava, na verdade ele sorriu. Park Sunghoon sorriu na direção de Kim Sunoo, que parecia surpreso demais para fazer qualquer outra coisa além de arregalar os olhos pequenos e baixar sua cabeça de novo.
Essa não era bem a reação que esperava receber depois do acordo silencioso e mútuo que os dois tinham concordado. Esperava talvez um sorriso pequeno ou um acenar com a cabeça, mas não ser completamente ignorado. De certa forma, era uma situação onde os papéis estavam invertidos, porque geralmente era ele quem desviava o olhar e não o contrário. Mas, como estava tentando ao máximo se colocar no lugar de Sunoo, imaginou que ele só estivesse com vergonha. Eram pequenos passos.
Aquela não foi a única coisa estranha que aconteceu naquela manhã, na verdade aconteceu uma sequência de eventos bizarros em um curtíssimo intervalo de minutos. Primeiro que, Sunghoon demorou bons segundos para conseguir se mover, ele ainda continuava parado na porta da sala com sua mochila nas costas e um sorrisinho de canto, desacreditado com a reação que obteve de Sunoo — ou da falta dela, nesse caso —. Ele só pareceu voltar a órbita quando alguém bateu em seu ombro, tentando entrar na sala, a pessoa só murmurou um desculpa baixo que Sunghoon não escutaria caso não estivessem perto. No entanto, quando a pessoa passou ao seu lado para ir até seu lugar, Sunghoon reconheceu o cabelo levemente ondulado e tingido de loiro. Jake.
Piscou várias vezes enquanto acompanhava todo o caminho que Jake fazia até chegar em sua fileira, surpreso. Não que fosse incomum Jake pedir desculpas ou algo do tipo, o mais incomum na situação toda era o fato de que, pela primeira vez desde o final do ano passado, Jake chegou na hora; e Sunghoon só sabia disso porque seus colegas de classe eram desocupados demais para fazer uma média de quantas vezes ele se atrasou.
Tudo pareceu ficar ainda mais confuso quando Heeseung se levantou no exato momento em que Jake passava ao seu lado, fazendo o menor parar bruscamente para não colidir contra o Lee. Os dois se encararam por curtos segundos até Jake desviar o olhar e passar pelo corpo a sua frente para se sentar em sua cadeira. Completamente em silêncio, sem piadinhas ou cumprimentos sarcásticos.
Estranho. Estranho demais. Tão incomum que Heeseung olhou para Sunghoon com uma sobrancelha levantada e uma expressão confusa no rosto, esperando por uma resposta do outro, que apenas levantou os ombros, tão confuso quanto o próprio Heeseung. No fundo da sala, Sunoo também observava o desenrolar da cena à sua frente, estranhando o comportamento de Jake; diferente de Sunghoon e Heeseung, confuso não era bem a palavra que Sunoo usaria para descrever sua testa franzida. Estava mais intrigado do que confuso. E sem que nenhum outro aluno percebesse, ocupados demais procurando seus lugares, uma tensão se formou entre os quatro que, mesmo longe um dos outro ainda conseguiam sentir o clima tenso que exalava dos dois garotos sentados no meio da sala e que se estendia por uma linha invisível que passava de Sunghoon para Sunoo.
៹
Seguindo a série de acontecimentos bizarros daquela segunda-feira, Sunghoon se viu parado no meio do refeitório, com seu lanche em mãos e se perguntando se andava ou não até a mesa do lado de fora. Seu olhar se alternava entre sua costumeira mesa no meio do refeitório e a mesa onde Sunoo se sentava, agora junto de Rki, Heeseung e Jake; ele se lembrava bem de sempre ter visto Sunoo comer sozinho naquela mesma mesa por três anos inteiros e nenhum outro aluno chegava perto de lá. Nenhum até Riki ser o primeiro a tomar coragem e se sentar com ele. Sunghoon não entendia muito bem o porquê do japonês ter feito isso, entendia e achava compreensível ver Heeseung e Jake sentados junto com ele já que nenhum dos dois tinha algo a perder sendo visto com Sunoo. Mas Riki não. Ele era popular, sua mesa era quase tão cheia quanto a do terceiro ano e Sunghoon realmente não entendia o motivo pelo qual agora Riki sequer olhava para onde se sentava antes.
Respirou fundo olhando ao seu redor. Sua indecisão parecia não ser notada por ninguém e, esperando continuar a passar despercebidos por todos, Sunghoon começou a andar em direção a grande entrada que dava para o lado de fora. E era ingênuo de sua parte pensar que continuaria despercebido quando passou por sua costumeira mesa e não se sentou ali; sentia o olhar de todos pouco a pouco se virarem em sua direção e apesar de gostar de ser o centro das atenções, Sunghoon não estava gostando dessa atenção, apertou a mão envolta de seu lanche e começou a andar mais rápido. Estava se sentindo exposto, como se estivesse fazendo algo errado, cometendo um crime por não se sentar em sua mesa e estar indo em direção a mesa de Sunoo.
Quando passou pela porta de entrada, parou por alguns segundos e soltou todo o ar que prendia em seus pulmões, deixando sair todo o nervoso e colocando para dentro o ar frio junto com uma dose de coragem e seu melhor sorriso. Voltou a andar, agora em passos mais calmos e determinados em direção a mesa que queria, era uma sensação diferente respirar um ar gelado e sentir o vento contra seu rosto, completamente oposta ao ar abafado e burburinho de adolescente que sempre era dentro do refeitório. Estava começando a entender porque Sunoo se sentar aqui, era libertador.
— Esse lugar está ocupado?
O primeiro a notar sua voz foi Riki, que se virou assustado para encarar Sunghoon e logo depois abriu um sorriso. Depois, Jake quem levantou o olhar e piscou algumas vezes antes de dar uma cotovelada em Heeseung, que obviamente lhe xingou mas levantou a cabeça de todo jeito apenas para conseguir ver Sunghoon parado a sua frente. Todos pareciam muito surpresos ao lhe verem ali, todos exceto Sunoo. Ele sequer se virou para vê-lo como todos os outros fizeram e Sunghoon estava começando a realmente não entender o que se passava na cabeça dele.
— Então, você vai se sentar ou vai comer de pé?
A voz de Jake se fez presente em seus ouvidos e Sunghoon rapidamente andou até o espaço vazio ao seu lado, estranhamente constrangido por estar ali. Nunca se sentiu minimamente envergonhado sob os olhares dos outros alunos ou quando caía no meio de um salto, não. No entanto, era apenas se sentar no meio deles, sair de sua zona de conforto que era seus amigos populares para Sunghoon querer coçar a nuca de forma acanhada e encarar o chão, achava que anos se apresentando para centenas de pessoas eram o suficiente para fazer sua vergonha sumir. Estava errado, aparentemente.
Com isso em mente, seus olhos rapidamente se focaram no garoto à sua frente, que já estava lhe observando. Nas duas semanas em que começou a prestar atenção em Sunoo, Sunghoon rapidamente descobriu que o Kim era quase como um livro infantil, extremamente fácil de ler; então não era difícil perceber o que se passava em sua mente ou as palavras que ele queria falar mas não tinha coragem e, ao mesmo tempo que Sunoo era alguém fácil de se ler, ele era extremamente complexo. Pensava e se expressava de uma forma, mas agia completamente oposto e por mais que em alguns momentos, Sunghoon achasse tudo isso muito interessante, tinha momentos que era frustrante. E hoje, ele estava se sentindo frustrado.
Seus olhos, por exemplo, estavam silenciosamente lhe acolhendo em um misto de surpresa e alívio, mas sua expressão facial estava lhe perguntando o que você está fazendo aqui? de uma forma um pouco hostil demais para uma pessoa que disse estar tudo bem entre eles.
Afastando sua atenção de Sunoo por alguns segundos, Sunghoon parou para observar e sentir a atmosfera que era estar longe de todos — mesmo que só estivesse a passos de distância —. Primeiro, a sensação do ar frio entrando em contato com seu rosto era melhor do que imaginava e segundo, era estranhamente libertador não se sentir sufocado com tantas pessoas ao seu redor.
Estar ali, no meio deles, era um misto de sentimentos. Tinha medo de falar algo errado e receber olhares julgadores, como também sentia que poderia passar horas sentado sem falar nada que ainda assim iria se sentir confortável. Completamente diferente da detenção onde os sentimentos e modo de agir eram semelhantes e aqui tudo parecia… incerto talvez. Heeseung não falava muito, apenas retrucava de forma sarcástica as coisas que Jake falava; Sunoo fazia um ótimo trabalho ignorando sua presença lá com sua atenção voltada para Riki que pareciam estarem presos dentro de seu próprio mundo e Jake... bem, ele era o que mais falava. Na verdade ele não parava a boca, no entanto, ele parecia fingir que Heeseung não estava lá. Sem piadinhas ou coisas semelhantes.
Quase igual ao acontecimento no começo da manhã quando ele ignorou descaradamente Heeseung. E era muito fora do comum para todos que sabiam o mínimo de como Jake se comportava e fazia piadinhas direcionadas ao Lee ver ele se comportar assim, ainda mais para Sunghoon que precisou ficar no meio dos dois para que uma possível briga não acontecesse.
— Vocês estão esquisitos. — Comentou sem perceber.
Só notou que havia dito aquilo em voz alta quando os quatro lhe encararam ao mesmo tempo com uma expressão confusa, sem saber sobre quem Sunghoon estava se referindo. Mais uma vez, Sunghoon segurou a vontade de evitar o olhar de todos e encarar o chão; tudo o que fez foi alternar o olhar entre eles e levantar os ombros, indiferente.
— Digo, o Jake e o Heeseung.
Da mesma forma como Sunghoon era o centro das atenções segundos atrás, todos os olhares da mesa se voltaram para os dois garotos ao seu lado e Sunghoon conseguiu sentir o corpo de Jake próximo ao seu se enrijecer. De novo a tensão se espalhou rapidamente pela mesma linha invisível que ligava os quatro e aparentemente, pulando Riki, que pareceu não notar a diferença ao seu redor
— É , vocês dois estão esquisitos. — Riki concordou. — Jake até agora não falou nada parecido com um você fica horrível nessa cor mas ele fala isso todos os dias então não sei se ele realmente está falando sério ou se só quer irritar o Heeseung, que na maioria das vezes parece funcionar.
— Nós não estamos esquisitos. — Jake rapidamente se justificou, de uma forma muito desengonçada e suspeita. — Eu só não estou afim de infernizar a vida dele hoje, todo mundo merece uma folga, até mesmo ele.
Heeseung quis gargalhar pela forma como Jake estava agindo, a voz mais alta que o normal e o tom quase desesperado dela fez com que ele achasse a cena cômica demais para não deixar com que um leve riso saísse por seus lábios acompanhado de um alternar de olhar entre os outros garotos e Jake, negando com a cabeça antes de voltar sua atenção para o seu lanche.
— Riki, troque de lugar comigo. — Jake falou quase como uma ordem, sua voz ainda tinha alguns resquícios de um leve desespero.
Nenhum deles sabiam ao certo o que Jake estava tentando fazer e, se ele estava realmente tentando mudar o foco de todos de seu comportamento diferente para com Heeseung, não estava dando certo, nenhum pouco, ele se afundava cada vez mais e mais em um poço de desconfiança que começava a incomodar o Lee. Se Jake continuasse agindo daquela forma seria fácil para todos os outros notarem que havia alguma coisa errada entre eles e caso eles perguntassem o porquê, seria apenas uma questão de algumas perguntas até Jake abrir a boca e isso não podia acontecer.
Precisava fazer Jake voltar a agir normalmente, nem que para isso eles tivessem que conversar a sós.
— O que? Por que? — Riki indagou confuso, mas ainda assim se levantou de seu lugar ao lado de Sunoo e ocupou o de Jake.
— Porque assim fica mais fácil para você conseguir ver quando alguém for me acertar com um punhado de arroz.
Sunoo arriscou dizer que aquela era uma boa jogada para acabar de uma vez por todas com o assunto que Sunghoon trouxe a tona usando as duas vezes que os garotos do primeiro ano fizeram Riki de alvo e funcionou exatamente como ele queria já que Riki arregalou os olhos e em seguida deixou os ombros caírem murmurando um deixe isso para lá, Jake.
Sunghoon tentava ao máximo acompanhar o modo como Jake retrucava e pedia uma explicação a cada vez que Riki dizia que não era nada demais e que era só uma brincadeira, no entanto, seu olhos estavam fixos na boca de Jake, mais especificamente no metal prateado no meio de sua língua que parecia brilhar cada vez que ele falava. Um piercing na língua. Jake Sim tinha a merda de um piercing na língua.
Os outros pareciam muito alheios a isto e, ou eles já sabiam e estavam acostumados com isso, ou eles nunca perceberam e para ser sincero, Sunghoon esperava qualquer coisa de Jake. Tatuagens, cicatrizes de brigas e quem sabe até uma passagem pela polícia — tudo bem, talvez ele estivesse exagerando, mas, de novo, ele esperava tudo de Jake Sim —, então não entendia o porquê de estar tão surpreso pelo piercing. Isso era literalmente o de menos.
E, mais uma vez, porque aparentemente sua cabeça não estava mais filtrando o que saia pela sua boca, ele não prestou atenção quando perguntou de forma um pouco alta demais:
— Isso é na sua língua é um piercing?
Mais uma vez, todos se calaram quase que instantaneamente para encarar Sunghoon, que enfiou na boca um grande pedaço do bolo que comia para impedi-lo de falar mais alguma besteira, e depois olhar para Jake, que apenas estalou a língua dentro da boca antes de colocá-la para fora de uma forma que era para ser considerada nojenta. Mas o sorriso ladino no rosto junto com o cabelo loiro longo e bagunçado, e a gravata folgada pendurada de forma relaxada ao redor do pescoço era uma combinação atraente demais para achar aquele ato minimamente asqueroso. E Sunghoon sabia que seus olhos não eram os únicos a achar a forma com que Jake mostrou o piercing sensual demais para alguém de dezoito anos, ele conseguia sentir Heeseung acompanhar todos os movimentos do outro de forma hipnotizada. Não desviando o olhar da boca alheia nem quando Jake voltou a colocar a língua para dentro da boca.
— Sim, é sim. — Confirmou. — Mas o que você estava fazendo olhando para a minha boca?
Sunghoon não era de se sentir envergonhado, eram raras as ocasiões em que ele se sentia constrangido, mas foi apenas se sentar naquela mesa para querer coçar a nuca acanhado e agora era ainda pior. O tom extremamente sugestivo na voz de Jake fez com que uma leve sensação de calor subisse para suas bochechas; sequer se lembrava da última vez em que ficou com as bochechas vermelhas de vergonha ou de reagir dessa forma quando alguém lhe falava algo sugestivo demais. Jake sabia usar muito bem todas as suas táticas de provocação, sejam elas para irritar ou para seduzir.
Antes que conseguisse formular alguma frase em sua cabeça sem gaguejar ou se embolar no meio das palavras, outra voz falou por cima da sua.
— Não fale assim com ele Jake, vai assustá-lo. — Sunoo interviu de forma sarcástica. — É a primeira vez em que ele se senta conosco e você já quer que seja a última?
— E Riki é muito novo para ouvir você usar todos os seus joguinhos de sedução. — Heeseung completou e o que era para ser uma brincadeira, acendeu algo mais escuro nas íris castanhas do outro.
— Por que, Heesung? — Indagou com um tom presunçoso na voz. — Está funcionando com você?
A mão que Heeseung mantinha em cima da mesa se fechou com força, exatamente igual no dia da detenção, no entanto, foi Riki quem segurou seu braço. Não para pará-lo, era mais uma tentativa de fazer Heeseung se acalmar. Todos ali já conheciam e sabiam como o Lee perdia a paciência rápido quando o assunto era Jake Sim e naquele momento, além de irritado, Heeseung estava se sentindo desafiado.
Dessa vez, todos conseguiam sentir a tensão entre eles, até mesmo Riki que arregalou levemente os olhos quando sentiu o ar ao redor deles aos poucos ficar mais tenso. A linha, agora, passava por todos eles, ligando-os um ao outro.
Heeseung, no entanto, abriu a boca para responder a pergunta em tom provocativo que Jake fizera. Eles tinham aquela disputa não dita de que, quem falasse por último ganhava aquele round de discussão. E, aparentemente quem levou fora Jake já que o som alto do sinal que indicava o fim do intervalo soou mais alto no ouvido dos cinco, com um sorriso vitorioso no rosto, Jake se levantou de seu lugar e deu as costas, não se importando em se despedir e Sunghoon se perguntou se aquilo era um hábito deles. Atrás dele saiu Heeseung que não fez questão de esconder sua raiva em pisadas fortes. Também sem se despedir.
— Deveríamos ir atrás deles? — Riki perguntou. — Quero dizer, o Heeseung parecia bem irritado mas não acho que ele faria alguma coisa com o Jake, certo?
— Não vamos nos meter.
Foi tudo o que Sunghoon disse, sem realmente responder a pergunta feita pelo japonês porque ninguém sabia realmente como responder a isso. Sunghoon já viu, muitas vezes, Heeseung perder a paciência com Jake de forma séria, direito a discussões gritadas e xingamentos; foi por um desses motivos que os dois acabaram na detenção. Riki suspirou pesadamente, encarando uma última vez a direção que os dois seguiram antes de se levantar da mesa e dizer um vejo vocês por aí. O mais perto que Sungjoon ouviu de uma despedida.
— Eles não são sempre assim. — Sunoo falou quando os dois ficaram sozinhos na mesa. — Na maioria das vezes, eles são civilizados um com o outro.
Surpreso com o fato de que Sunoo estava lhe dirigindo a palavra pela primeira vez no dia, Sunghoon levantou as sobrancelhas, desacreditado. Reação que fez o garoto à sua frente encolher os ombros e baixar o olhar para a mesa.
— Eu… — Continuou de forma lenta, parecendo procurar as palavras certas para terminar. — Eu gostei que você veio ficar aqui, é legal quando os cinco estão juntos.
Ouvir Sunoo falar aquilo, foi o suficiente para Sunghoon respirar fundo antes de começar a falar:
— Eu não entendo você, Sunoo. Primeiro você age daquela maneira, depois vem me pedir desculpas e diz que está tudo bem entre a gente, mas hoje você nem olhou para mim. Que tipo de "está tudo bem entre nós" é esse? Eu realmente não entendo porque você é assim comigo e claramente é só comigo.
Calado, Sunoo apenas absorveu tudo o que saía da boca de Park Sunghoon. Ele não falava de forma rude, Sunghoon nunca conseguia ser rude com alguém, mesmo Sunoo achando que ele realmente merecia alguém lhe falando essas coisas de forma rude e sob o olhar incisivo de Sunghoon, Sunoo abriu a boca algumas vezes para tentar responder, justificar seu comportamento controverso, dizer a ele que só agia daquela forma porque sentia que Sunghoon conseguia ler sua alma e ela era um lugar muito confuso para ele próprio viver, não queria ter que arrumar toda aquela confusão para receber outra pessoa.
Desde o primeiro momento em que seus olhares se cruzaram naquela sala em que provavelmente Riki estuda hoje em dia, no primeiro ano, Sunoo se sentiu invadido. Não só porque a beleza de Sunghoon era algo que lhe intimidava — ele era a única pessoa que realmente ficava bonito naquele uniforme cinza-cimento —, mas porque tinha algo em seu olhar que fazia Sunoo se sentir desprotegido, vulnerável e não precisou pensar em como agir na sua presença pois isso nunca iria acontecer. Sunoo sempre soube que Sunghoon seria alguém inalcançável para, era só olhar para ele que qualquer um teria certeza disso.
Nunca imaginou que, dois anos depois, ele estaria frente a frente com Sunghoon, comendo na mesma mesa e compartilhando os mesmos quase amigos — podiam chamar eles assim? —. E agora que precisava conviver com ele, não sabia exatamente como fazer.
Ainda em silêncio, assistiu em seus olhos Sunghoon negar com a cabeça quando não obteve uma resposta e se levantar da mesa para deixar Sunoo para trás. Sozinho. Ele não queria e nem imaginava sentir essa grande bola de neve de sentimentos, mas a vista de Sunghoon passando ao seu lado para lhe deixar só e sem dizer algo, fez Sunoo se sentir abandonado, vazio. E pela primeira vez desde que colocou os pés naquela escola, se sentiu sozinho. Sozinho de uma forma dolorosa demais para alguém que já estava acostumado.
Depois daquela segunda eles logo entenderam que a presença de Sunghoon com eles não seria frequente. E dado aos relatos de Sunoo sobre como Sunghoon só falou com ele quando estavam sós, esperavam serem ignorados nos dias em que ele voltava a ser o centro das atenções por uma causa comum, simplesmente ser Park Sunghoon, e não por ser visto com eles. O que estranhamente não aconteceu.
Naquele mesmo dia, quando voltou para a sala, foi bombardeado com mais perguntas do que sua mente conseguiu processar e todas elas eram derivações de por que você se sentou lá? assim como foram respondidas com diferentes formas de um porque eu quis um pouco rude demais para alguém que tinha a fama de ser extremamente doce. Não gostou de como todos lhe questionam com o mesmo tom de desdém e desprezo direcionado a eles e se notaram seu incômodo, não comentaram nada e Sunghoon preferiu assim já que nem ele mesmo conseguiria responder caso fosse questionado sobre.
Diferente do que pensavam, Sunghoon não ignorou a existência deles nos dias que se passaram. Acenava levemente para Heeseung, que lhe cumprimentava de volta com uma grande interrogação acima da cabeça; se comunicava com Jake de uma maneira um tanto quanto peculiar já que ele lhe cumprimentava passando a língua pelo lábio de uma maneira que seu piercing fosse visto — Sungjoon ainda não entendia como uma jóia de aço no meio da língua de alguém era capaz de lhe desnortear tanto — em uma clara provocação, e sempre que via Riki nos corredores caminhava até ele, acompanhando-o até sua sala.
E todos os dias ainda sorria na direção de Sunoo.
Mesmo depois de ter colocado para fora como não entendia sua forma de agir, Sunghoon tinha prometido a si mesmo que seria insistente até Sunoo se cansar, ou se irritar, ainda não tinha certeza de qual reação queria. Sozinho ou acompanhado, ou se estava no meio do corredor com vários alunos ao seu redor, Sunghoon não se importava; no momento em que seus olhos encontravam os fios cor de rosa de Sunoo, ele estaria sorrindo em sua direção e acenando de forma chamativa. Gostava das reações que tirava dele, às vezes assistia seus olhos pequenos aumentarem de tamanho, outras vezes Sunoo empurrava os óculos sobre seu nariz em uma forma de esconder seu rosto e, quando estava perto o suficiente, Sunghoon via um quase imperceptível tom de vermelho colorir suas bochechas por baixo das camadas de maquiagem.
No entanto, eles perceberam também que, sempre que Sunghoon se aproximava publicamente deles, algo estranho acontecia e nenhum dos cinco precisava realmente falar que as coisas estavam esquisitas porque eles conseguiam sentir. A maldita linha invisível era um livro aberto de seus sentimentos, todos conseguiam sentir a mesma coisa mas com intensidades diferentes. Todos conseguiam sentir como Sunghoon e Sunoo estavam em um clima leve, como também sentiam a agressividade entre Jake e Heeseung cada vez maior. E o modo como Riki se sentia seguro com eles e, com certeza essa era a melhor parte daquela ligação invisível entre eles, sentir a felicidade do japonês cada vez em que estavam juntos e ela era capaz até mesmo de amenizar todo sentimento de hostilidade que passava por todos graças a Heeseung e Jake. Ela era como um ímã que atraía eles para perto um do outro mesmo quando não queriam.
៹
Apesar de não gostar daquele lugar, o ar frio do telhado da escola era tudo o que Sunghoon precisava depois de ter uma pequena discussão com seus amigos sobre como Sunghoon estava “manchando suas imagens” cada vez em que falava ou olhava para Sunoo. Eles não ligavam, ninguém nunca se importou com isso antes, na verdade essa era uma das coisas que eles mais gostavam em Sunghoon, ele falava com qualquer um. Não precisava ser popular ou o mais inteligente, não, qualquer um que lhe desse um sorriso junto e um bom dia, era retribuído com a mesma gentileza. Era isso que todos gostavam dele, mas porque com Sunoo não?
Nenhum deles comentavam nada sobre sua aproximação com Jake e Heeseung, mais porque eles tinham medo de Jake e precisavam das explicações de Heeseung quando estavam quase reprovados, nem mesmo sobre Riki, eles acham bonitinho como ele sempre acompanhava Niki até sua sala. Mas Sunoo, não. Eles detestavam a ideia de ver Park Sunghoon se dirigir a alguém tão insignificante como Kim Sunoo era aos olhos deles.
Resmungando irritado, Sunghoon empurrou com dificuldade a porta pesada que dava acesso ao telhado e juntou as sobrancelhas em confusão quando viu Heeseung lá, não se lembrava de tê-lo visto saindo da sala antes dele, e toda a cena ao seu redor parecia estranha e ao mesmo tempo suspeita, tudo parecia natural. Tão natural que parecia ter sido forjado. Sunghoon não conseguiu identificar o que era, mas quando Heeseung ouviu a porta do telhado se abrir ele rapidamente guardou algo no bolso de sua calça e prestando atenção mais um pouco em todo o cenário conseguiu contar duas bitucas de cigarro apagadas no chão e uma terceira que ainda acesa.
— Você estava fumando? — Sunghoon indagou, se aproximando do Lee. — Céus você fede a fumaça de cigarro, Heeseung.
— Eu não estava fumando, Sunghoon. — Contrapôs de forma natural. — Aquela garota do segundo ano estava aqui antes de mim, e todos sabem como ela é uma chaminé com duas pernas. Quando eu cheguei tudo fedia a cigarro.
Sunghoon manteve seu olhar sobre Heeseung por mais alguns segundos, tentando encontrar algo que denunciasse uma possível mentira. O que não encontrou e se Heeseung estava mentindo, ele era um ótimo mentiroso. Mesmo assim, Sunghoon ainda ficou com um pé atrás, algumas coisas ali pareciam muito artificiais para serem verdadeiras, mas também não conhecia Heeseung o suficiente para confrontá-lo, não tinha espaço para tal.
Eles não permaneceram muito tempo naquela competição de olhares onde quem desviasse o olhar primeiro perdia, passos pesados e algumas risadas vindo das escadas foram o suficiente para ter os dois encarando a porta e esperando para ver quem iria passar por ela. Riki empurrou a porta de metal com sua risada se espalhando rapidamente pelo espaço aberto, atrás dele vinha Sunoo, que também ria e mais uma vez todos se viam juntos mesmo que sem querer. Era como se eles fossem feitos de metal e existisse um ímã invisível juntando todos eles.
As risadas foram cessando gradativamente ao que os dois recém-chegados notavam que não estavam sozinhos e quem também estava lá.
— Certo, isso já está ficando estranho demais. — Riki comentou. — Vocês dois combinaram isso?
— Não. — Sunghoon e Heeseung responderam ao mesmo tempo e Riki estava certo, isso estava começando a ficar estranhamente assustador. — Mas vocês dois com certeza combinaram de matar aula juntos, ou pelo menos Riki está matando aula.
E isso, com certeza, era a coisa mais confusa em toda aquela tentativa de amizade, momentos como o que estavam agora; juntos, encostados contra o parapeito do telhado e em silêncio. Se sentiam confortáveis na presença um do outro, Riki mal conseguia manter sua animação quando estavam juntos, mas porque nenhum deles tinha coragem o suficiente para iniciar uma conversa. Qualquer coisa, poderia ser uma conversa sobre qualquer coisa. Sobre o cabelo rosa de Sunoo que começava a desbotar perto da raíz, sobre os alunos do primeiro ano que finalmente pareceram dar uma trégua a Riki ou sobre como Jake não estava lá com eles.
— Já perceberam que nós estamos sempre juntos mas nunca conseguimos manter uma conversa? — Heeseung apontou de forma vaga, os olhos desfocados em algum lugar qualquer do chão. — Quer dizer, quase sempre juntos. Sem ofensas, Sunghoon.
Ele riu e balançou a mão em um silencioso sem problemas e, aos poucos, todos começaram a relaxar na atmosfera leve que estava entre eles, completamente diferente de como era na hora do intervalo. Quando Jake estava presente entre eles e Heeseung não conseguia segurar seu temperamento curto na presença dele, toda sua irritação se espalhava para os outros pela linha que ligava eles e o Lee sentiu algo muito parecido com culpa pesar em seu estômago. Eles não nunca mantinham uma conversa porque estavam ocupados demais precisando lidar com toda a agressividade que partia de Heeseung e contaminava a todos.
Da próxima vez em que todos se encontrassem na mesa que agora era deles, Heeseung faria um esforço para não deixar toda sua paciência ser consumida por Jake. Pelo bem daquela atmosfera leve e agradável, só esperava que Jake fizesse o mesmo.
O olhar que antes estava perdido no chão, rapidamente encontrou o rosto de Sunoo como foco e juntou as sobrancelhas, estranhando a tonalidade mais avermelhada que de costume. Quando Sunoo ficava com as bochechas quentes de vergonha era em um tom fraco vermelho, quase sendo confundido com um rosa, não aquele vermelho forte como estava agora e antes que se desse conta do que fazia, Heeseung já tinha inclinado o corpo sobre Sunoo, tocando em seu pescoço, bochechas e testa com as costas da mão, atraindo olhares confusos de todos, principalmente do Kim.
— O que você está fazendo? — Questionou, seguindo com os olhos todos os movimentos que Heeseung fazia com sua mão.
— Vendo se você não está com febre, suas bochechas estão muito vermelhas. — Heeseung respondeu, voltando ao seu lugar. — Seu rosto todo, na verdade
— Sunoo, acho que tem alguma coisa acontecendo com seu rosto. — Riki não podia ter usado uma combinação de palavras melhor. — Ele parece estar inchado, não sei. Você não estava assim de manhã quando eu te vi.
Com Heeseung e Riki apontando as diferenças em seu rosto, Sunoo começou a se dar conta novamente do ardor incômodo em sua pele, o mesmo que sentiu dois dias atrás no confinamento de seu quarto e que lhe fez ingerir uma cartela de anti alérgicos quase toda e lavar o rosto a cada vinte minutos. Riki estava errado, em partes, seu rosto estava igualmente vermelho naquela manhã, ele só estava coberto por camadas de base para tentar disfarçar o tom forte e funcionou pelas primeiras quatro horas do dia; mas agora ela estava visível novamente e pelo modo com estavam agindo, parecia ainda mais forte assim como a sensação de ardência nas bochechas.
— Eu… eu preciso ir ao banheiro…
Sem esperar por alguma resposta, Sunoo se levantou de seu lugar e rapidamente se pôs a descer as escadas em direção ao banheiro do segundo andar, aquele que quase nenhum aluno usava por ser pequeno demais. Ele não precisava olhar para trás para saber que os outros estavam lhe segundo, conseguia ouvir os passos pesados deles lhe acompanhando até o banheiro. Empurrou a porta com força, assustando o único garoto presente lá dentro. Jake. Claro que, apesar de não estarem juntos antes, algo ainda iria fazer o caminho dos cinco se cruzarem. A essa altura isso não era mais algo tão surpreendente assim, era bem previsível na verdade.
Mesmo sob o olhar confuso de Jake que encarava toda a cena de Sunoo entrando às pressas dentro do banheiro e se trancando na primeira cabine que viu, com os garotos atrás dele com expressões preocupadas. Ele ainda não conseguia entender nada e duvidava muito que alguém além de Sunoo havia percebido sua presença ali.
— O que está acontecendo? — Indagou, mas não pareceu o suficiente para conseguir ser notado, então caminhou até os três amontoados na porta da cabine onde Sunoo estava e se pôs entre eles e a porta, abrindo uma distância maior entre eles e Sunoo. — O que aconteceu?
Mesmo com os as bochechas marcadas pela costura de sua farda e os olhos inchados entregando que o garoto estava dormindo há poucos minutos atrás, a postura intimidadora de Jake foi o suficiente para fazer eles darem um passo para trás, até mesmo Heeseung estava levemente afetado pelo ar intimidador que só Jake Sim conseguia ter e como o Lee estava tentando muito não deixar seu temperamento ir embora tão cedo, ele respirou fundo antes de falar:
— Algo aconteceu com Sunoo. — Explicou. — Riki e eu comentamos sobre seu rosto estar diferente e ele veio para cá.
A expressão antes carrancuda e ameaçadora de Jake rapidamente derreteu em uma branda com um leve resquício de preocupação. Colocou uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha antes de respirar fundo e dar as costas para os três garotos, se aproximando da porta da cabine de forma lenta, batendo quase que superficialmente na madeira.
— Hey, Sun, como você está? — Jake perguntou em um tom de voz suave. — Você precisa de alguma coisa?
E era palpável a surpresa vinda dos garotos atrás de si e ele conseguia sentir isso. Em todos os anos, nenhum deles nunca viu esse lado de Jake ou, pelo menos, não Heeseung e Sunghoon; eles estavam acostumados com o tom de voz pingando sarcasmo e arrogância junto de uma expressão intimidadora. Era a primeira vez que viam Jake tão calmo e suave com alguém, como se fosse alguém completamente diferente.
— Eu quero… — A voz de Sunoo saía fraca e abafada pela porta fechada. — Eu preciso do meu estojo de maquiagem. É uma bolsinha verde-claro que está dentro da minha mochila…
Sem que fosse preciso ouvir uma ordem vinda de Jake, porque eles sabiam que Jake iria mandar um deles até a sala, Sunghoon saiu do banheiro em passos apressados para buscas o que Sunoo estava pedindo. Heeseung e Riki se entreolharam, estranhando demais o comportamento de Jake, mas nenhum dos dois tinha coragem para questionar algo, então se mantiveram no silêncio pesado em que estavam até Sunghoon voltar com a bolsa em mãos. Entregou-a para Jake, que encarava os três garotos a sua frente de forma inexpressiva e eles quase conseguiam ouvir sua mente trabalhar.
— Saiam.
A ordem — porque sim, era uma ordem — foi dita em um tom de voz calmo que nada condizia com a pessoa que Jake era. Não entendiam como nem o motivo que estava fazendo Jake agir de forma tão calma e afável.
— Desculpe? — Riki perguntou um pouco surpreso demais.
— Saiam, ou ele não vai sair daqui de dentro se vocês ainda estiverem aqui. — Jake continuou no mesmo tom de voz. — Eu sei que vocês só querem ajudá-lo, mas estão deixando Sunoo sufocado.
E Jake estava certo, Sunoo estava se sentindo sufocado debaixo de todos aqueles olhares preocupados. Nem ele mesmo sabia o que estava acontecendo consigo e por mais que soubesse que tudo aquilo era preocupação, ainda não conseguia deixar de se sentir sufocado. O silêncio tomou conta do banheiro e ele ouviu bem quando Heeseung suspirou pesadamente e começou a andar na direção da porta, provavelmente para obedecer a Jake, que pediu para eles fecharem a porta e não deixarem ninguém entrar.
Não demorou muito para que o som da porta se fechando suavemente fosse ouvido por todo o banheiro e então Sunoo soltou todo o ar que prendia sabendo que, agora só havia ele e Jake ali. E a sua presença não lhe deixava sufocado, talvez tenha sido a forma como Jake lidou com a situação de forma comedida e não fazendo um alarde, isso lhe deixou mais calmo.
— Eles já foram, você pode sair, Sun.— Jake avisou. — Eu sei o que é se sentir sufocado.
Demorou longos minutos até Sunoo fazer o que lhe foi pedido, mas ele o fez. Jake precisou morder os lábios para não deixar uma interjeição de surpresa sair de forma audível por seus lábios, todo o rosto de Sunoo estava em um vermelho forte e a pele de suas bochechas estava claramente mais grossa, com pequenos caroços visíveis. Mordeu os lábios para controlar sua expressão facial e não queria deixar Sunoo mais assustado do que já estava.
— ‘Tá muito feio?
— Você sabe que vai ter que tirar a maquiagem, não sabe? — Ignorou a pergunta feita e contrapôs. Sunoo suspirou de forma alta, sentindo um bolo começar a se formar no meio de sua garganta. Ele sabia que precisava tirar toda a maquiagem, mas não tinha coragem para fazer tal ato. E Jake percebeu isso. — Você não consegue?
Ler Sunoo era como ler um livro infantil, era fácil compreender o que ele estava sentindo, todos sabiam disso. E naquele momento, estava escrito que não conseguiria fazer sozinho. Jake não sabia o porquê, mas algo em tirar a maquiagem na frente de alguém parecia uma tarefa impossível para ele. Jake segurou com delicadeza no pulso de Sunoo e o trouxe para mais perto da pia, colocando-o sentado sobre o mármore e se enfiando no meio das pernas dele. Sentindo o olhar observador de Sunoo em si, Jake colocou novamente uma mecha de cabelo atrás da orelha e começou a procurar dentro da bolsa algo que lhe ajudasse a retirar toda a maquiagem que cobria a pele dele, encontrando um pacote de lenços umedecidos quase no fim e antes que desse início ao que tinha em mente, buscou pelos olhos pequenos do Kim atrás do consentimento que precisava.
Ele veio de forma tímida e não verbal com um leve acenar com a cabeça e os olhos fechados.
— Por favor, não fale nada.
Assentiu mesmo sabendo que Sunoo não podia vê-lo pelos olhos fechados, Jake se pôs a passar com leveza o lenço por todo o rosto do Kim, tomando cuidado em não piorar ainda mais a irritação na pele. Segurava o queixo do garoto de forma delicada, movendo seu rosto para um ângulo mais confortável para ele e depois do segundo lenço sujo de pó e base, Jake finalmente conseguiu ver o que tanto Sunoo escondia por baixo de toda aquela maquiagem.
Sua mão se manteve imóvel por alguns segundos, apenas observando toda aquela arte que eram as sardas espalhadas pelo rosto de Sunoo. Elas se concentravam mais em seu nariz, bochechas e olhos, formando uma bela constelação sobre a pele pálida que era quase impossível de tirar os olhos. Uma visão etérea demais para não passar horas admirando e Jake se viu preso ali, sem conseguir olhar para outro lugar. Nenhum sinônimo da palavra belo conseguia expressar tamanha perfeição, nada era páreo o suficiente para explicar aquela obra-prima. Jake se manteve em silêncio, parte para obedecer o pedido feito por Sunoo e a outra porque ele estava embasbacado demais com o que via para conseguir formular alguma frase, só conseguiu voltar sua atenção ao presente momento quando sentiu o corpo de Sunoo tremer em soluços violentos que logo eram ouvidos por todo o banheiro.
Acolheu o corpo do outro em seus braços, deixando-o agarrar com força em sua camisa e chorar o quanto precisasse. Sunoo estava se sentindo vulnerável, exposto para Jake de uma forma que nunca pensou que estaria para qualquer pessoa, era íntimo demais e ele simplesmente não conseguia parar de chorar, tentando se esconder novamente no corpo daquele que lhe consolava e fazia um carinho suave em seus fios de cabelo. Ouviu a porta se abrir novamente e quis correr de volta para a cabine onde sabia que ninguém conseguiria vê-lo assim, no entanto, Jake foi mais rápido em esconder seu rosto molhado pelas lágrimas contra seu ombro e agitar uma das mãos, provavelmente mandando a pessoa embora. Agarrou com mais força na camisa do outro, como se Jake fosse sumir a qualquer segundo e lhe deixar ali, sozinho e a última coisa que queria agora, era ficar sozinho.
Jake permaneceu em silêncio, o trabalho em limpar todo o rosto de Sunoo agora estava em segundo plano. Sua prioridade agora era acalmar o choro angustiante do garoto em seus braços e tentar lhe passar uma mínima segurança. Era um momento em que nenhuma palavra conseguiria expressar os sentimentos que aquele choro representava.
Sunoo encontrou uma segurança nos braços de Jake que nunca imaginou e agora eles não estavam apenas ligados por aquela linha dos cinco. A partir daquele momento, Jake e Sunoo também estavam ligados pela alma.
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